Medo, vergonha e culpa levam muitas vítimas a silenciarem casos de absuso
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica reconheceu esta 2ª feira que “habitualmente, são as vítimas [de abuso] a iniciar o silenciamento, por sentimentos de me-do, vergonha e culpa”.
No sumário do relatório, divulgado, a comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht aponta para que seja “uma expressiva minoria” o número das vítimas que revelam os abusos.
Acrescenta que, quando o fazem, as vítimas ‘concretizam-no junto de pessoas próximas’, dependendo da atitude destas “a evolução futura da situação”.
Por outro lado, em fases posteriores da vida adulta, “é necessário suporte psicológico e/ou psiquiátrico para intervir em diversos quadros clínicos, como as perturbações de ansiedade e do humor depressivo ligadas a situações de stress pós-traumático”, acrescenta.
Ainda neste documento, o grupo de trabalho aponta que “o perfil dos abusadores é variado”, predominando “adultos com estruturas psicopatológicas, agravadas por factores de risco como o alcoolismo ou o mau controlo de impulsos”.
“Destacam-se as perturbações de personalidade, com facetas socialmente integradas, revelando capacidade de sedução e manipulação. É raro reconhecerem os actos praticados, sem consciência crítica, sendo vulgar darem continuidade aos mesmos. As respostas com sucesso terapêutico são escassas, mas é fundamental ditar o afastamento de cargos ou actividades que impliquem contacto com crianças”, acrescenta.
Segundo o sumário do relatório, “no caso de abusadores em contexto religioso, o acompanhamento espiritual, embora muito importante, não é suficiente. É necessária uma intervenção psiquiátrica e psicológica intensiva e duradoura”.
O documento revela, também, que “os dados apurados nos arquivos eclesiásticos relativamente à incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg’”.
“Ficou cabalmente demonstrado que um número indeterminado de vítimas não reportou os abusos à Igreja Católica; muitas das queixas terão sido tratadas informalmente, não deixando qualquer rasto documental; com algum grau de probabilidade, a eventual práctica de expurgos dos arquivos sem respeitar as normas impostas pela legislação canónica terá sido praticada (convicção partilhada com muitos clérigos contactados)”, pode ler-se no sumário do relatório.
Segundo a comissão, “acresce a ambiguidade que caracteriza uma parte significativa da correspondência eclesiástica do século XX. É frequente o problema dos abusos sexuais não ser referido explicitamente”.