Henrique Teixeira: O “rei” das farturas recorda a Ferry Street dos anos 80, numa viagem pela sua vida e memórias
Por ANGÉLICA PINTO | Newark, NJ
É conhecido na comunidade portuguesa local pelo seu negócio de castanhas e farturas, que percorre festas e que nos intervalos, utiliza um pequeno espaço do estacionamento do Seabra’s Market da Lafayette Street, para funcionar.
Este negócio, que partilha com a sua esposa Olga, foi indirectamente o inicio da história de amor de ambos, como nos contou.
Olga já estava acostumada a acompanhar o seu tio, dono de uma roulote de farturas, na confecção e venda das mesmas pelas feiras de Lisboa. Graças a um convite desse mesmo tio, Henrique começou a ajudar limpando pratos, só para que pudesse estar e passar mais tempo com a sua amada.
“Tenho 80 anos, naquela altura tinha 20… são 60 anos no jogo das farturas. Não a fazer, mas a acompanhar”, explicou.
Quando se reformou aos 65 anos, numa das suas vindas de Portugal para os Estados Unidos, deparou-se com um senhor a confeccionar faturas com uma maquinaria que dizia já ser “muito antiquada”. “Fui a Portugal, trouxe a maquinaria e já estou cá nisto há 15 anos, depois da reforma. Estou aqui entretido, vou a Portugal onde também tenho este negócio com um familiar e faço aqui as festas… e estou aqui até que Deus queira e enquanto tiver força, porque tenho todo o amor por isto”, confessou.
O que mais o emociona neste negócio, tendo ele próprio netos, é quando interage com crianças. Devido à sua localização tão próxima de uma escola, o senhor Teixeira conta que se depara muitas vezes com pequenos “com o seu porta-moedinhas” e que lhe pedem um churro e que, sabendo que estes os vão dividir com os seus amigos, lhes acaba por fazer um preço amigo. “Isso é uma alegria para os meninos que vêm da escola. Ás vezes são dez ou vinte aí… e eu sinto-me satisfeito com isso”, disse emocionado.
Mas não foi com as farturas nem com as castanhas que começou a sua história de emigrante.
Tudo começou na Alemanha, onde trabalhou durante 8 anos como mecânico automóvel especializado em marcas alemãs. Quando se dá o 25 de Abril, com a promessa de liberdade no seu país natal, regressou a terras lusas como muitos outros, onde abre um negócio por conta própria mas acaba por perceber que “vendi cavalos e fui comprar burros”. Esta foi a frase que usou para explicar a sua falhada esperança de que ia para algo melhor.
A sua vinda para os Estados Unidos foi impulsionada pelo facto de ter cá um primo, que recorda com admiração apesar deste já ter falecido. Chico Santos, bate chapas de profissão mas conhecido no mundo do boxe, foi campeões nesta modalidade e “um grande ídolo em Portugal”.
“Tinha para aí 17 ou 18 anos e ia ver o combate de boxe dele. Enchia o Coliseu dos Recreios, o Estádio do Benfica e o Campo Pequeno. Nessa altura o boxe tinha mais bilheteira que o futebol”, explicou.
Foi a Chico Santos que o pai de Henrique pediu, há 42 anos atrás, para lhe “arranjar ofício” cá.
Como tinha uma especialidade, arranjou trabalho como mecânico logo que chegou sozinho, tendo deixado a esposa e os filhos em Portugal. Estes vieram logo após alguns meses.
A sua esposa arranjou trabalho graças a um senhor minhoto, dono de um café “em frente ao Ibéria, chamado ‘O Nosso Café’”. Teixeira recorda essa época como exemplo do que é realmente sofrer na emigração.
“Aquilo era um ambiente um bocadinho duro porque as pessoas vinham do trabalho e bebiam uma cerveja. Eu ás vezes saía mais cedo e ia para perto dela. Via alhos, bugalhos e coisas… aquilo doía-me tanto”, confessando reconhecer o quanto a sua companheira sofria. Esta, em resposta dizia-lhe sempre “temos que lutar pela vida”. “Assim foi a nossa luta”, acrescentou Teixeira.
Para este, nos anos 80, a Ferry Street era um local lindo. “Era um cheiro a guisados, a comida portuguesa, um ambiente… só se viam portugueses” recorda com saudades.
Todos sabemos como a icónica rua é nos tempos de hoje, que apesar de multicultural ainda possui uma grande marca portuguesa, no entanto o lisboeta, frisa que gostava de relembrar a Ferry Street que o viu chegar, pois poucos o fazem. “O Nosso Café; o Ibéria, que infelizmente já não existe mas que era um símbolo dos portugueses; o Sagres, o restaurante Castelo, Chave d’Ouro…”, foram alguns dos negócios que, entre outros, mencionou lembrar-se da época e que, a maior parte, já não existem.
No que toca ao seu futuro, confessa não pensar ir de vez para Portugal. “Já lhe contei a história de vender cavalos e comprar burros… não o vou fazer de novo”, frisou com tom brincalhão.
Ao terminar esta conversa, Henrique Teixeira deixou um apelo a todos os leitores do Luso-Americano. Apesar de já ter tentado procurar informações em Portugal, falando com várias pessoas do mundo do teatro e das artes, nunca chegou a saber o paradeiro de Zeca Santos, alguém que o marcou por ser “um homem que dava bastantes alegrias à comunidade. Conseguiu trazer aqui revistas do Parque Mayer e era um homem cheio de actividade”.
“Se alguém souber onde ele está, seja no fim do mundo, no Texas ou na Califórnia; venha ao meu local de trabalho e me dê o contacto do mesmo”, apelou.