PORTUGUÊS É DIRECTOR DA DIVISÃO DE POLÍCIA DAS NAÇÕES UNIDAS EM NOVA IORQUE
Por HENRIQUE MANO | Jornal LUSO-AMERICANO
Desde 2017 que o cargo de Director da Divisão de Polícia da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova Iorque, é ocupado pelo português Luís Carrilho, superintendente-chefe da PSP (Polícia de Segurança Pública, a cujos quadros pertence). A chegada deste profissional àquele posto de chefia acontece mediante candidatura proposta por Portugal e após selecção em concurso internacional.
A Divisão de Polícia da ONU (D.P.O.) está presente em mais de 14 operações de manutenção de paz espalhadas pelo globo e ainda em missões políticas especiais, agregando uma componente de pessoal autorizado de 11 mil agentes, “homens e mulheres oriundos de mais de 90 países”, afirma Luís Carrilho, em entrevista exclusiva concedida em Nova Iorque ao jornal LUSO-AMERICANO.
“Vejo como um grande privilégio trabalhar em Nova Iorque a servir as Nações Unidas nestas funções, sobretudo do ponto de vista altruísta”, diz Carrilho, cujo mandato terminará no final de 2021, “porque podemos de facto contribuir para um mundo melhor ao nível da nossa área. Ser polícia em contexto nacional é sempre com o objectivo de servir a comunidade, embora por vezes tenhamos de recorrer à força; é ajudar a comunidade a viver em paz e segurança, fazer com que as crianças possam ir à escola e as famílias possam trabalhar livremente, gozar dos seus direitos de liberdades e garantias. É isso que é ser polícia. No contexto da ONU”, continua, “sobretudo nas missões no terreno, é permitir que as forças de segurança nacionais desses países consigam criar o equilíbrio da estabilidade”.
❝TRABALHAR PARA A ONU É UM GRANDE PRIVILÉGIO PORQUE PODEMOS DE FACTO CONTRIBUIR PARA UM MUNDO MELHOR❞
➔Luís Carrilho,Chefe da Divisão de Polícia da ONU
Embora o actual posto represente a cereja no topo do bolo para a carreira de Luís Carrilho, cujo gabinete o leva todos os dias ao 22.º andar do edifício-sede da ONU, na 1.ª Avenida de Manhattan, a carreira (e vida) deste superintendente-chefe da PSP é o espelho de uma trajectória que faz dele um português do mundo.
Filho de um polícia, Carrilho nasce há 54 anos em Vila do Porto, na ilha açoriana de Santa Maria, por acaso do destino (os pais são de Sobreira Formosa, na Beira Baixa). Aos 5 anos vai para Praia, em Cabo Verde, onde está cerca de dois anos, estabelecendo-se posteriormente em Campo de Ourique, a frequentar o Liceu Pedro Nunes. Ainda entra para Engenharia Civil, mas o chamamento para a lei e ordem fala mais alto e acaba na Escola Superior de Polícia (hoje Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna). Estava-se em 1986 e Portugal acabava de se juntar à CEE (União Europeia). Só cinco anos depois começa carreira policial no terreno, já com a patente de subcomissário, com a responsabilidade de comando na área de formação em Torres Novas e Santarém.
A bem sucedida carreira de Luís Carrilho segue depois este rumo:
➝ Oficial responsável pela segurança das instalações e pessoal no Centro Cultural de Belém, durante a primeira presidência portuguesa da CEE.
➝ Comandante da esquadra de Santa Apolónia, em Lisboa.
➝ Adjunto do oficial de segurança do primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.
➝ Comandante da esquadra dos Olivais.
➝ Cumpre missão da ONU por Portugal na Bósnia e Croácia, como monitor de polícia.
➝ Em missão também da ONU, torna-se primeiro director da Academia de Polícia de Timor-Leste em 2000, e respectivo porta-voz.
➝ De regresso a Portugal, chega a comandante do corpo de segurança pessoal (o equivalente ao Serviço Secreto nos EUA).
➝ Oficial de segurança do Presidente da República (Cavaco Silva), de 2006 a 2009.
➝ Volta a Timor para outra missão com o cunho da ONU, desta feita como comissário da polícia.
➝ Comissário da polícia da ONU no Haiti, onde está dois anos, transitando depois para missão idêntica na República Centro Africana; em 2016 regressa a Portugal como inspector da PSP.
❝AS PANDEMIAS AFECTAM SEMPRE OS MAIS VULNERÁVEIS❞
➔Luís Carrilho, Director da Divisão de Polícia da ONU
Na perspectiva de Luís Carrilho, “a ONU continua a ser hoje em dia a instituição onde todos os países se sentam à mesma mesa e têm o mesmo poder”. Equilíbrio global que, sublinha, “o nosso Secretário-Geral [António Guterres] tem sabido interpretar, fazendo um trabalho excelente em termos de contribuir para que o mundo seja um lugar melhor”.
Carrilho lembra o apelo de Guterres “para o cessar-fogo imediato de todos os conflitos no mundo por causa da COVID-19”, uma medida que considera “muito positiva”. Explica: “As pandemias afectam sempre os mais necessitados, os mais vulneráveis, comunidades com poucos recursos, as crianças, os idosos, as vítimas de crimes, os deslocados internos, os refugiados, as mulheres e as pessoas portadoras de algum tipo de deficiência”.
O português considera “momentos marcantes” na sua carreira o dia em que os primeiros polícias timorenses, sob a sua alçada, foram para a rua – “era a construção de um estado novo e muitos deles eram mulheres”. No Haiti, não esquece “o reconhecimento das autoridades nacionais” e o ter visto os moradores de um bairro violento “terem ido às urnas votar debaixo de tiro. Por vezes não damos valor ao direito cívico do voto, podendo contribuir dessa forma para o futuro do país. É um aspecto muito importante da cidadania sobre o qual a ONU pode, por via das suas missões multi-dimensionais, dar uma contribuição valiosa – apesar de não ser uma panaceia para todos os males do mundo”.
❝TENHO UM GRANDE ORGULHO [NO ANTÓNIO GUTERRES] NÃO SÓ POR SER PORTUGUÊS MAS PELOS VALORES QUE DEFENDE❞
➔Luís Carrilho, Director da Divisão de Polícia da ONU
Não sendo o único português com poder de decisão nas mãos dentro da ONU, Luís Carrilho não se esquiva a dizer o que pensa do conterrâneo António Guterres e do seu trabalho como Secretário-Geral: “Tenho um grande orgulho, não só por ser português, mas pelos valores que tem defendido e pela forma sagaz como tem sabido evidenciar a Carta das Nações Unidas, que continua sempre actual, com uma aplicação hoje em dia”.
O superintendente-chefe nomeia, a título de exemplo, o apelo lançado por Guterres – sobretudo aos países mais abastados do planeta – para que a vacina COVID chegue a todas as nações. “Como português, vê-se em cada acção do nosso S.G. uma tentativa de contribuir para uma vida melhor em todas as zonas do globo, que traz bom nome e credibilidade a Portugal, mas sobretudo imprime uma visão humanista, uma visão pragmática de contribuir para um mundo melhor”.