Pensar a diáspora e preparar o futuro

🖋 Por DINIZ BORGES

Nem sempre os grandes meios são centros catalisadores de reflexão e mudança. Por vezes os pequenos espaços permitem-nos um outro olhar pelas realidades que desde sempre a humanidade recusa. Um olhar que reflita as nossas vivências além-arquipélago e as utilize para a construção, sempre em processo de uma região que só beneficia com a contínua aproximação entre os residentes e os seus primos da América. Há quase uma década na pequena cidade de Tulare, no fértil vale de São Joaquim, no estado da Califórnia, cidade geminada com Angra há quase 55 anos, um grupo de utópicos realizou uma série de fóruns precisamente com o tema deste texto, para que se pensasse a comunidade e se preparasse o futuro. A mesma cidade que entre 1990 e 2020 foi palco para um evento único nas vivências açorianas o simpósio Filamentos da Herança Atlântica. Há dois anos, outro grupo utópico, desta feita a nível estadual (na Califórnia), utilizou o mesmo formato para ponderar a comunidade e o ensino da língua portuguesa na mesma, e criou um plano estratégico para o ensino da língua neste estado – o único nos Estados Unidos. Com os dilemas, e as oportunidades que esta pandemia trouxe, acredito que chegou o momento de revitalizar esses fóruns e de observarmos com olhos de quem quer ver, refletir e trabalhar, para as considerações elaboradas nesses espaços e contemplar- mos o que foi feito, pouco, na minha perspectiva, e o que falta fazer, muito e agora com mais urgência.

Com a entrada de um Ano Novo, aliada aos desafios de uma pandemia que marcou e continuará a registar marcas profundas na nossa comunidade, olhemos para o que se disse há 9 anos nos fóruns de Tulare, aliadas às vivências artísticas dos simpósios e as lições do plano estratégico para o ensino da língua portuguesa na Califórnia. Reencontremo-nos, mesmo que seja virtualmente. Vamos trazer outros, particularmente as novas gerações, para um diálogo sério e produtivo que a nossa diáspora bem precisa. As vivências açorianas na Califórnia, e por todo o continente norte- americano, não podem fossilizar. As tradições do passado, num novo mundo, em que já se pensa na pós-pandemia, terão de reinventar-se. Os considerandos de há quase uma década, são, infelizmente, neste ano de pandemia, ainda mais visíveis, vejamos:

Considerando que com o estancar da emigração dos Açores, ao longo das últimas quatro décadas, para a nossa comunidade da Califórnia, o rosto comunitário está a mudar;

Considerando que a língua portuguesa é, infelizmente, cada vez menos a língua de comunicação diária na maioria das nossas famílias;

Considerando que esta nossa comunidade tem várias gerações de luso- descendentes, já que a nossa emigração para esta zona remota o século XIX;

Considerando que há a necessidade de preservar o nosso legado linguístico e cultural, dentro e fora da nossa comunidade;

Considerando que entre os jovens há, e ainda bem, cada vez mais a procura pelo ensino superior, pela formação académica, que os leva para várias partes deste estado e desta nação, fazendo com que muitos não voltem;

É, pois, importante que não só reflitamos a nossa comunidade, como tomemos passos relevantes para salvaguardar o que várias gerações de emigrantes e açor-descendentes têm construído em várias partes da Califórnia (acrescentaria em todo o continente americano). Daí que, sugere-se, como primeiros passos, as seguintes actividades, com a certeza de que as mesmas trarão benefícios à nossa comunidade e ao nosso legado cultural, à nossa presença de açorianos transplantados e integrados na Califórnia.

A. Prosseguir o diálogo e a reflexão entre a comunidade e as associações. Um diálogo aberto e honesto sobre os nossos desafios, a médio e a longo prazo.

B. Instituir uma maior presença das nossas instituições nos acontecimentos das cidades e regiões onde vivemos. Essa presença deveria começar pela nossa participação ativa, como comunidade, nos certames das nossas cidades e condados. É imperativo que as nossas associações estejam presentes nas celebrações do mundo americano com o nosso folclore, a nossa música, a nossa gastronomia (para além da sandes de linguiça), a nossa história comunitária e exposições da nossa região e do nosso país de origem. É imperativa a presença dos Açores no mundo americano.

C. Utilizar outros certames, e eventos para que neles haja uma presença da nossa cultura, como por exemplo utilizar os festivais de folclore e filarmónicas para penetrarmos o mundo americano. É urgente tornar a periferia comunitária em centros das cidades onde vivemos.

D. Prosseguir com a aproximação entre as escolas do ensino secundário, particularmente os cursos de língua e cultura portuguesas, e o nosso movimento associativo, com parcerias e protocolos credíveis e funcionáveis que promovam a nossa cultura perante todos jovens que todos os anos aprendem a língua e a cultura portuguesas, independentemente da sua origem étnica, porque é essencial promover-se a nossa identidade, fora do nosso cubículo comunitário. Essa promoção terá de ser alargada a toda a população estudantil e aos corpos docentes dessas escolas e universidades. Trabalhar para uma maior presença das forças culturais da nossa comunidade nas escolas secundárias e universidades onde estão os cursos de língua e cultura portuguesas. Expor a comunidade ao mundo académico-um trabalho que o o recém- criado Portuguese Beyond Borders Institute (PBBI) da universidade estadual da Califórnia em Fresno está a realizar.

E. Edificar um pacote pedagógico promovendo o nosso legado cultural para ser apresentado nas escolas do ensino primário, com visitas das forças vivas da nossa comunidade, para que todas as crianças, de todos os grupos étnicos, particularmente nas cidades e regiões onde temos uma comunidade, tenham a oportunidade de aprender sobre a nossa presença no mundo americano, tal como acontece, nesta zona e neste país, com outras etnicidades e outras culturas.

F. Perscrutar uma maior proximidade entre todo o nosso movimento associativo e refletir os nossos acontecimentos sociais para que os mesmos não sejam um peso, quer na comunidade, quer nas próprias instituições e nas pessoas que nelas trabalham. É urgente refletir a dualidade: qualidade versus quantidade. Basta de termos homens e mulheres que saem do nosso movimento associativo, desiludidos e com um grande desgaste. Que o nosso movimento associativo dê o passo importante de se integrar no mundo norte-americano. E que todas as associações sejam reconhecidas pelos poderes centrais e regionais.

G. Instituir, dentro do nosso movimento associativo o bilinguismo para que todos os emigrantes e açor-descendentes tenham a mesma oportunidade de usufruir a nossa cultura. Há que trabalhar pela perseverança da nossa língua sem perder, ainda por mais uma geração, os luso-descendentes que não conseguem comunicar fluentemente em português. Há que democratizar a cultura para que ela não seja apenas propriedade de um grupo. Há que passar às novas gerações um legado que vá além de um grupinho, de uma claque muito nossa. A comunidade dos pais e dos avós não tem futuro.

H. Promover, sempre que possível, em português, inglês ou em sistema bilingue, consoante a oportunidade, o evento, o objetivo e a audiência, as artes, desde os elementos da cultura popular, já celebrados de diversas fórmulas na comunidade da Califórnia, às artes na sua globalidade, em vertentes como: a música, a poesia, a literatura e as artes plásticas. É urgente a tradução de obras literárias açorianas para inglês. Nesse sentido a colecção Bellis Azorica da Tagus Press (Universidade de Massachusetts, Dartmouth) é exemplar.

I. Empregar os meios de comunicação do mundo americano: os jornais, a rádio e a televisão, os podcasts, na divulgação do nosso calendário social, das nossas iniciativas culturais, a fim de promovermos a presença de outros grupos étnicos, que constituem este mosaico humano que é a o colossal estado da Califórnia e a nação americana, nas nossas festas, nos nossos acontecimentos culturais. É urgente que os nossos eventos se tornem em verdadeiros acontecimentos culturais da nossa cidade, de todos os habitantes da nossa cidade.

J. Edificar mais espaços de diálogo comunitário, com reflexão e debate, que inclua os mais novos, alunos universitários, os que ficaram e os que saíram da comunidade, jovens casais, jovens profissionais que exercem as suas profissões em várias partes do estado e ex-dirigentes do nosso movimento associativo que se afastaram da comunidade. Há que criar espaços muito mais abrangentes que sejam acolhedores e interliguem todas as gerações.

A nossa diáspora precisa de ser constantemente pensada e o futuro começa hoje. Por vezes acomodamo-nos com as realidades que nos rodeiam. As circunstâncias de uma pandemia mundial, aliadas à metamorfose natural das comunidades étnicas no mundo norte- americano, exigem uma nova visão e novos paradigmas. O futuro da nossa diáspora está, onde sempre esteve: nas mãos da comunidade. Em ano de pandemia, 2020, o congresso da Luso-American Education Foundation deu um passo significativo nesse diálogo, daqui a uns breves meses a universidade estadual da Califórnia em Fresno com uma nova edição dos Filamentos da Herança Atlântica, como parte do Azorean Diaspora Project – segmento do Portuguese Beyond Borders Institute (PBBI), dará mais um passo nesse sentido. Que o saibamos aproveitar.

Temos um legado cultural a proteger e a integrar na sociedade onde vivemos. É absolutamente necessário que em 2021 a diáspora açoriana dê passos decisivos para o seu futuro. Parafraseando o saudoso escritor açoriano Daniel de Sá, no romance Ilha Grande Fechada, há que utilizar os horizontes de um continente para abrirmos os olhos à alma.