O medo da rua
Adorei este crónica do Pedro Correia.
“Início da tarde, num dos supermercados do bairro de Lisboa onde moro. Estou na fila para pagar. Uma fila composta só por duas pessoas. Lá adiante, na caixa, um terceiro cliente. Paro a quase três metros da mulher que se encontra antes de mim. Tem quarenta e muitos.
Ela vira-se de imediato e dispara, em tom agressivo:
– Não se importa de chegar mais para trás?
Respondo perguntando, como sempre faço:
– Recuar para quê?
– Ainda pergunta?
Não está a cumprir a distância de segurança.
– Estou, estou. Mas já que se sente tão incomodada, avance. Tem imenso espaço aí à sua frente.
Ela começa a falar quase aos gritos, atraindo atenções.
– Outro atrasado mental! É por isto que quase não saio de casa, para não aturar estes atrasados mentais!
De máscara na cara, como a etiqueta sanitária impõe, mantenho-me impávido. E só lhe digo, em tom normalíssimo:
– Não baixe o nível. E fale pouco, para não espalhar o vírus. Ela solta uma espécie de grito e abandona o carrinho que empurrava. A caixa fica desimpedida. Avanço para lá sem mais demora.
Desistiu das compras, vejo-a falar com um segurança à entrada do supermercado, gesticulando imenso e apontando na minha direcção antes de desaparecer no horizonte. Ele ouve- a sem esboçar a menor reacção.
Pago e arrumo as escassas compras. Passo pelo segurança e pergunto-lhe:
– Algum problema?
Diz ele, com um esgar em jeito de sorriso:
– Todos os dias aparece aqui gente muito nervosa. Cada vez mais. Pessoas que passam muitos dias fechadas em casa e ficam em pânico quando vêm à rua.