Centenário de José Saramago

Único Nobel da Literatura em língua portuguesa, o escritor nasceu fez um século na passada quarta-feira, 16 de Novembro, na aldeia ribatejana de Azinhaga. Doze anos após a sua morte, o neto de Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha continua a ser um dos autores portugueses mais traduzidos de sempre.

Em 1922 nascia um menino, que recebeu o nome José de Sousa, no registo civil o funcionário da altura achou por bem acrescentar o apelido Saramago ao filho de Maria da Piedade, e do marido desta, José de Sousa. Nunca um dia estes pais imaginaram que viria a receber o maior prémio da Literatura mundial das mãos do Rei da Suécia, e os avós, a quem o escritor nunca deixou de prestar homenagem, teriam rido com gosto do que lhes pareceria uma completa utopia. Todavia, foi de facto o que hoje conhecemos como verdade, recebeu o Nobel da Literatura em 1998 quando José Saramago tinha 76 anos de idade e até a data é o único autor de língua portuguesa a receber tal prémio.

Uma distinção que vinha culminar com pelo menos, uma década de consagração internacio- nal do escritor. Como explica Carlos Reis, professor universitário e comissário das comemorações deste centenário: “É verdade que obras como Levantado do Chão, Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis têm acção em Portugal e envolvem personagens portuguesas, mas os seus grandes temas são de dimensão universal. Saramago fala-nos da morte, do amor, da própria fragilidade humana. São questões que não são regionais, têm uma escala global”.

Carlos Reis, que na sexta-feira passada encerrou as comemorações em Lanzarote com um discurso em que tratou esta dicotomia local/global (“Um grande escritor português que José Saramago admirou, de seu nome Miguel Torga, escreveu numa página do seu diário: “O universal é o local sem paredes”, disse), sublinha que, “ainda antes do Nobel, ele teve a preocupação de deslocalizar e de destemporizar os romances, tornando-os porventura mais abstractos, mas capazes de atingir, com as suas preocupações um público mais vasto”.

Em 1998, data do Nobel, Saramago era já o autor português contemporâneo mais traduzido, com obras publicadas em dezenas de países, da América do Norte à China. Do mesmo modo, já recebera vários pré- mios internacionais, doutoramentos honoris causa pelas Universidades de Turim (Itália), Manchester (Inglaterra), Sevilha, Toledo e Castilla La Mancha (Espanha) e graus honoríficos como o de Comendador da Ordem de Santiago de Espada e o de Chevalier de l”Ordre des Arts et des Lettres (atribuído pelo governo francês). Em Portugal, as edições sucedem-se a uma velocidade invulgar no mercado editorial e as solicitações para tradução não se fazem esperar. A curto e a médio prazo, foi traduzido para albanês, alemão, bengali, catalão, checo, mandarim, coreano, croata, dinamarquês, esloveno, espanhol, finlandês, francês, grego, hebraico, holandês, húngaro, inglês, italiano, japonês…

Hoje, fora de Portugal, existem disciplinas universitárias acerca das obras do autor na Universidade Autónoma de Barcelona (Espanha), Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), Universidade Federal do Paraná (Brasil), Universidade de Granada (Espanha), Universidade Nacional Autónoma do México (México), Universidade Nacional Maior de São Marcos (Peru), Universidade de Roma Tre (Itália), Universidade de Sófia Sveti Kliment Ohridski (Bulgária) e na Universidade de Vigo (Espanha), a mais antiga de todas. Um pouco por todo o mundo, mas fora de Portugal a popularidade que tinha e tem no Brasil é notável, onde a sua obra é muito mais trabalhada nas universidades do que nas portuguesas e não é só porque o Brasil é muito maior do que Portugal.

Celebrar o centenário de José Saramago, que foi sendo tantos Saramagos ao longo dos 87 anos que viveu, é também comemorar a vasta e densa galeria de personagens que criou: Blimunda e a família Mau-Tempo, Joana Carda e a Mulher do Médico, o cão Constante e o Senhor José, Ricardo Reis e Lídia, Maria de Magdala e Caim, entre tantos outros que hoje desfilam, em festa. Como se recriassem a glorificação do final de Levantado do Chão: “Eles podiam lá faltar nesse dia levantado e principal”.