CHEGA A FÁTIMA CICLISTA DE NEW JERSEY QUE PERCORREU MAIS DE 2 MIL QUILÓMETROS E ATRAVESSOU TRÊS PAÍSES
Por HENRIQUE MANO | Jornal LUSO-AMERICANO
Eram 4:00 da tarde quando a bicicleta ‘Jamis’ de Isabelle Ferreira tocou Fátima. Foi na sexta-feira, 23 de Julho, e dentro do quadro de tempo previsto pela ciclista. Tinha partido a 3 do mesmo mês de Paris, com a companheira de viagem Marianne Vieira – que fez um desvio para terminar o seu percurso em Gafanha da Boa Hora, a terra dos seus pais.
Foi o fim da mais nova aventura da professora luso-descendente, que nasceu em Paris filha de emigrantes de São Mamede e decidiu fazer o percurso entre a ‘Cidade Luz’ e a ‘capital da fé’ portuguesa em memória do pai e do irmão, já falecidos.
Percorreu exactamente 2140 quilómetros; percorreu os Pirinéus e subiu a Serra da Estrela; dormiu em hotéis de berma de estrada, em alojamento Airbnb e ao relento, “a olhar as estrelas”. Marianne pedalou dois mil quilómetros e já está de regresso a New Jersey. Isabelle aproveita passar férias e fica três semanas em Fátima, onde a mãe tem casa e familiares não escasseiam…
“Chegar a Fátima foi fantástico”, reconhece a ciclista de Long Branch, em entrevista ao jornal LUSO-AMERICANO. “Só a ideia de ver a família… Até o cheiro dos eucaliptos, tudo deu para matar saudades. Só posso dizer que estou de coração cheio.”
Isabelle tinha à espera a mãe, Maria Amélia Conceição, que vive entre Long Branch e Fátima, tios de França que no verão regressam à terra, amigos…
As etapas mais difíceis da viagem foram os Pirinéus e a Serra da Estrela, “com as subidas, ziguezagues e descidas; também apanhámos mau tempo, ou seja, no Alto Douto estava extremamente quente e nos Pirinéus muito frio.”
Para se atirarem com a força e determinação com que parecem fazer tudo na vida, a dupla Isabelle e Marianne seguiu um rígido programa de preparação física: durante a semana ginásio, aos fins-de-semana 50 a 70 milhas em bicicleta. “Treinamos sobretudo subidas, mas claro que nunca nada nos prepara para o que depois enfrentamos na estrada”, nota Isabelle.
Ao atravessarmos a França, “encontrámos muitos portugueses, muitos mesmo, até fora da área de Paris, vimos imensas bandeiras de Portugal no sul de França.”
Nem tudo foram rosas: Marianne registou três quedas, Isabelle duas. Em Portugal “fomos expulsas de uma auto-estrada que não permitia bicicletas, mas ainda assim fizemos uns quilómetros e apanhámos uma boa descida.”
Isabelle reconhece que as mensagens e o carinho transmitido através das redes sociais ajudou a enfrentar os quilómetros de estrada e os obstáculos que aqui e ali foram enfrentando. A professora de francês, espanhol e inglês numa escola de ciclo preparatório em New Jersey prefere pensar em si como “um exemplo positivo para as mulheres e para quem quer que seja a quem a vida colocou barreiras e impôs dificuldades. Se puder contribuir para que outros também superem obstáculos, então vale a pena eu continuar a olhar para o copo sempre meio cheio e a acreditar no bem da humanidade.”
O Paris-Fátima foi mesmo uma rota de afectos. Uma borboleta acompanhou Marianne a páginas tantas e a ciclista sentiu nisso a presença dos pais; quando dois períodos difíceis de calor fizeram com que precisassem de ajuda, foram duas pessoas com o nome do pai e do irmão que Isabelle já não tem que deram a mão. “Até nos vieram as lágrimas aos olhos”, nota.
A próxima odisseia já está em estado embrionário, avança a ciclista ao LA: ligar Long Branch ao Canadá (“não sei se será a Toronto ou a Montréal, ainda não decidimos”). Mas vão ser outros 2 mil quilómetros, desta vez a três – com outra ciclista a juntar-se a Isabelle e Marianne.
Isabelle admira “qualquer mulher que vá contra as convenções da sociedade e se supera e afirma. Uma vida que me marca é a de aviadora Amelia Earhart; também aprecio a [escritora e filósofa francesa] Simone de Beauvoir, que quebrou tabus.”
Não termina sem vincar bem forte: “Sinto-me uma privilegiada por ter sangue e cultura portuguesa e pelas experiências que já acumulei na vida.”