CRESCEU EM FAMÍLIA DE ACOLHIMENTO E HOJE PRESTA CUIDADOS DE SAÚDE A DOENTES SEM-ABRIGO COM COVID-19
Por HENRIQUE MANO | Jornal LUSO-AMERICANO | Nova Iorque
Quando, para fazer frente à crise da COVID-19, as autoridades de saúde em Boston – a capital do estado de Massachusetts – transformaram o seu gigantesco centro de convenções em hospital de campanha com mil camas, a profissional luso-americana Ana Paula Gomes, 27 anos, não hesitou. “Eu ja estava desde Março a dar cuidados de saúde como voluntária enquadrada nos Medical Reserve Corps em vários hospitais de Boston com doentes afectados pela COVID-19”, conta a enfermeira e profissional de saúde mental em entrevista ao jornal LUSO-AMERICANO. “Quando me ofereceram a oportunidade de me associar ao ‘Boston Hope’, que acolhe e trata moradores de rua com COVID-19 dependentes de ajudas públicas, não pensei duas vezes. Nem nunca tive dúvidas de que era aqui que queria estar.”
❝NUNCA TIVE DÚVIDAS DE QUE ERA AQUI, NO ‘BOSTON HOPE’, QUE QUERIA ESTAR❞
➔Ana Paula Gomes, Doctor of Nursing Practice
Habituada a fazer trabalho voluntário em missões médicas nos EUA e em África, a experiência no ‘Boston Hope’ – turnos de 12 horas à noite – é diferente de tudo o que já vivenciou. “Tem me certamente tornado numa pessoa mais humilde”, garante.
Para funcionar, o hospital de campanha absorveu pessoal médico do Massachusetts General Hospital e do Brigham Women’s Hospital; os outros 50% são profissionais ligados à rede de saúde pública de auxílio aos sem-abrigo.
“O ‘Boston Hope’ obedece a um modelo de medicina que se aplica à resposta a situações de desastre e emergência”, explica Gomes. “É todo um clima muito diferente daquele que se respira num hospital tradicional. O equipamento de protecção pessoal, por exemplo, é obrigatório, uma vez que todos os pacientes têm COVID-19.”
Ana Paula Gomes nasceu em Salem, MA, filha de imigrantes de Condeixa-a-Nova (a mãe, no distrito de Coimbra) e Soajo (o pai, no concelho de Arcos de Valdevez). Foi o primeiro membro da sua família a seguir formação superior. E esmerou-se, obtendo mesmo um dos mais altos diplomas na área de enfermagem – o ‘Doctor of Nursing Practice’, obtido pelo Massachusetts General Hospital Institute of Health Professions – uma referência em todo o país.
Gomes cresceu num ambiente tipicamente português, “tanto é que ainda faço parte do Rancho Folclórico de Peabody, onde já estou desde criança”, diz. Também é voluntária junto da Sociedade do DES de Peabody, MA, participa em bailes de carnaval comunitários e “faço uso do português quando me calham doentes com barreiras linguísticas.”
❝QUERIA AJUDAR PESSOAS COM PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL, ESPECIALMENTE CRIANÇAS, POR ISSO Me FORMEI NESSA ÁREA❞
➔Ana Paula Gomes, Doctor of Nursing Practice
E conhece as agruras da vida. Aos 8 anos, com a irmã gémea, foi entregue a uma família de acolhimento. “Foi uma infância muito diferente daquela que tem a maior parte das crianças naquela idade. Por isso sabia que ia para medicina, para marcar a diferença. Estava determinada a dar também os cuidados e o apoio emocional que recebi enquanto passei por aquele processo. Queria ajudar pessoas com problemas de saúde mental, especialmente crianças. Hoje é precisamente o que faço num dos meus dois empregos a tempo-inteiro, trabalho com pacientes de todas as idades com distúrbios mentais e dependência de drogas.”
❝A PANDEMIA PROVOCA ATAQUES DE ANSIEDADE, PARANÓIA E TENDÊNCIAS SUICIDAS❞
➔Ana Paula Gomes, Doctor of Nursing Practice
A pandemia provoca ataques de ansiedade e paranóia, “assim como tendências suicidas”, explica. “Tenho tratado de doentes com receio de sair de casa, até para ir buscar os medicamentos à farmácia. Para se poder actuar no campo da saúde mental, é necessário gostar-se do que se faz, porque não é fácil. Ouvir as experiências de vida destas pessoas pode traumatizar alguém que esteja num estado de equilíbrio. Tem sido muito desafiador trabalhar nesta área da medicina nesta altura.”
Durante o dia, é ‘Psychiatric Mental Health Nurse Practitioner’ no Boston Neurobehavioral Associates em Waltham
Um anjo na terra ou uma enfermeira?