FALECEU O EMPRESÁRIO JOSÉ COVAS, DE 90 ANOS, 1.º PRESIDENTE DO CLUBE PORTUGUÊS DE FARMINGVILLE, NY

Por HENRIQUE MANO | News Editor

O empresário e figura comunitária José Covas, um dos últimos pilares da comunidade portuguesa do estado de Nova Iorque, faleceu 31 de Dezembro de 2022, em Long Island. A informação foi confirmada ao jornal LUSO-AMERICANO pela filha Nini Covas Lipsky, que, tal como outros familiares, estavam a seu lado quando às 9:55 partiu deste mundo em casa, onde recebia cuidados paliativos desde há dias.

Neste momento, também a esposa do falecido José Covas, Teresa Covas, está em cuidados paliativos – pôde apurar o jornal LUSO-AMERICANO.

A família deverá anunciar em breve o seu funeral.

José Covas

Poucas figuras têm a sua marca tão vincada no movimento associativo português no condado nova-iorquino de Suffolk como o empresário José Covas. Ao longo de quase 7 décadas, este transmontano oriundo da freguesia de Vidago contribuiu de forma ímpar para ajudar a moldar a presença lusa a leste da região de Long Island: foi responsável não apenas pelo surgimento do dinâmico Portuguese-American Center of Suffolk, com sede em Farmingville (do qual foi 1.º presidente e onde se manteve sócio número 1 até à sua morte), como foi fundador da Escola ‘Antero de Figueiredo’, que lhe está agregada.

José Covas no seu gabinete de trabalho da empresa GTS Builders Supply

José Covas teve ainda um papel crucial na extinta American Foundation for Charities of Portugal, que canalizou mais de 2 milhões de dólares em donativos para Portugal, e foi a locomotiva que fez andar o Grupo Transmontano, uma associação de naturais daquela província nortenha que se formou para ajudar o Grupo Desportivo de Chaves a subir à 1.ª Divisão e que, à deriva, foi contribuindo para as mais solidárias das causas, cá e lá.

➢EMIGRAR POR AMOR E O PRIMEIRO PATRÃO NA AMÉRICA

Foi em Arcossó, freguesia de Vidago, que José Covas viu a luz do sol pela primeira vez há 87 anos, a 19 de Julho de 1932. A América acontece na sua vida por uma daquelas partidas que o coração prega quando menos se espera… “Namorava uma rapariga da minha terra que emigrou para cá com os pais e que, mais tarde, voltaria a Portugal para se casar comigo”, contou o empresário, na última entrevista exclusiva concedida ao jornal LUSO-AMERICANO.

José Covas e a esposa Teresa Covas

A “rapariga” a que se refere, Teresa, viria a ser mãe dos seus três filhos – Frank, Maria e Nini, mantendo-se a seu lado até hoje.

José Covas chega aos Estados Unidos em 1957, com 25 anos. É o já falecido Alfredo Santos quem lhe dá a mão e o emprega na sua firma de construção civil, a S&S Concrete, em Long Island. “Foi o meu primeiro patrão na América”, diz. “Ainda trabalhei para mais um ou dois, mas em 1966 comecei a construir uma casa para viver, em Lake Ronkonkoma, e esse foi o início da minha actividade por conta própria.”

Dois anos depois, criava a GTS Builders Supply, em 1968, ainda hoje uma referência em Long Island no sector da venda de materiais de construção (de que é agora presidente a filha Nini Covas Lipsky). A empresa cujo êxito comercial lhe permitiu a almofada financeira para abraçar as muitas causas comunitárias que abraça.

❝O PACS NÃO É DE NINGUÉM E É DE TODOS❞

Trazer consigo na algibeira o cartão de membro número 1 do Portuguese-American Center of Suffolk (PACS) não fazia dele um ser à parte, garantia. “Sou igual a todos os outros sócios”, afirma. “Quando venderem o Centro, ganho tanto como os outros, ou seja, nada. O PACS não é propriedade de ninguém, ou seja, é de todos e não é de ninguém. Se um dia for vendido, aquilo que poder vir a lucrar deve ir para instituições de solidariedade social.”

Para além de ter assumido a presidência do PACS à nascença, durante 5 mandatos consecutivos, quando a colectividade ainda tinha por denominação Portuguese Soccer Club, José Covas ainda seria presidente uma outra ocasião “e vice-presidente na direcção de Avelino Portal.”

Quando foi preciso mobilizar a comunidade, na década de 80, para a compra de um terreno e construção da sede do futuro PACS, o empresário voltou a dizer presente.

❝ONDE ME SINTO BEM É ENTRE OS PORTUGUESES, NA COMUNIDADE DE FARMINGVILLE❞

“Nunca pensei em regressar a Portugal em definitivo”, revelava José Covas, que mantinha apenas um apartamento no Algarve para férias. “Aquilo que herdei dos meus pais vendi à minha mãe por 20 dólares e deixei a uma criança que ela adoptou aos 8 meses num funeral, e que ajudou a criar.”

É  mesmo no seio da sua gente que o empresários queria estar, “a conviver com os portugueses, na comunidade de Farmingville, onde conheço toda a gente e sou feliz”, sublinhava.

Também se orgulha de ter contribuído para a dinamização do sector empresarial luso em Long Island. “Todo o português que aqui chegou e que me teve como primeiro patrão”, nota, “acabou por ter negócio próprio. E ainda são uma dúzia deles…”.

❝A BARREIRA DA LINGUA É O MAIS DIFÍCIL NA VIDA DE IMIGRANTE❞

A adaptação à América fez-se da melhor forma, reconhecia Covas, mas nem tudo foram rosas na trajectória do empresário. “O mais difícil na vida de imigrante é a barreira da língua, ir para um país onde não se fala a mesma língua”, referia. “Apesar de, quando aqui cheguei, ter ido trabalhar para um português, os meus patrões seguintes eram americanos. A princípio, para mim, esse foi o maior obstáculo.”

❝O GRUPO TRANSMONTANO TEM SIDO EXEMPLAR❞

À entrada da sua empresa em Long Island

É com o denominado Grupo Transmontano que José Covas continuava a manter-se activo na arena comunitária. “É um grupo de elementos exemplar, que, nos primeiros 8 anos, ajudou a pôr mais de 200 mil dólares nos cofres do Grupo Desportivo de Chaves”, recordava na já citada entrevista.

➢ O CESSNA 182 SKYLANE E MAIS DE MIL HORAS DE VOO

Já foi perto dos 50 anos de idade que José Covas fez um dos seus maiores voos. Literalmente. A bordo de um Cessna 182 Skylane com motor e 4 lugares, avaliado em cerca de meio milhão de dólares, que o empresário resolveu comprar para transporte e lazer.

“Tive-o durante uma dúzia de anos”, contou. “Tirei o brevê e cheguei a fazer cerca de 1200 horas de voo. Ia à Flórida, Massachusetts… Ia visitar o meu amigo [José Armando] Tavares a Virgínia, ia buscar o [António] Castanherira a Connecticut para vir comigo e às três da manhã deixava-o de volta e ia para casa.”

“O MELHOR DA VIDA SÃO OS FILHOS E OS NETOS”

Na óptica de José Covas, “o melhor da vida são os filhos e os netos. Não há nada de que tenha maior orgulho em tudo o que fiz neste mundo. Sempre lhes dei a maior liberdade para serem eles próprios e nunca me envergonharam”, afirmava.

Com os três netos (dois rapazes e uma rapariga), tem também uma relação de proximidade. “São muito chegados a mim”, garante. “Somos muito amigos e fazem muito por mim.”

Para Covas, “o valor do dinheiro está na possibilidade que ele nos dá de podermos fazer algo de positivo para nós e para os outros. Se não for assim, honestamente, não sei para que mais serve.”

O empresário dizia atribuir tão pouco valor ao vil metal, “que nem sei quanto ganho por semana. Já perguntei à minha filha, nunca me disseram; não sei quanto ganho nem quanto tenho, mas também nunca me faltou dinheiro para gastar.

❝QUERO QUE SE RECORDEM DE MIM COMO UM AMIGO❞

José Covas queria que se recordassem dele “como amigo.” E tem-nos nos dois lados do Atlântico… Recentemente, tinha ido a Portugal às comemorações dos 100 anos do pai do cantor Quim Barreiros. “Como amigo, é como quero que se lembrem um dia de mim”, enfatiza.

Ensinava que, “quando a conversa não me agrada, calo-me, fico mudo. Não elaboro nem me envolvo; não gosto de argumentar nem nunca vi ninguém ganhar razão pela discussão.”

Confessava que organizar durante 12 anos o torneio de golfe da American Foundation for Charities of Portugal “foi das coisas que me deu mais prazer. Convivíamos uns com os outros e gostávamos do que estávamos a fazer, para além de ser tudo por uma boa causa.”

Também se orgulha de ter ajudado a levantar do chão o Suffolk county Vietnam Veterans Memorial, em colaboração com outras empresas de cunho português.

➢GTS CONCRETE: O FUTURO

O empresário não se preocupava com o amanhã da empresa que pôs de pé. Por isso pôs as duas filhas, Mary e Nini, ao controlo da GTS Concrete.

“Somos uma empresa gerida por mulheres”, disse Nini Covas Lipsky, na mesma entrevista, que se juntou à firma em 1985 (a irmã Mary já lá está desde a década anterior).

Nini contava que os pais “ainda hoje se comunicam em português no dia-a-dia. Tenho tanto orgulho naquilo que ele fez! E arrependo-me de não ter posto os meus filhos na escola portuguesa que o meu pai ajudou a criar.”

Nini Covas Lipsky reconhece ter recebido “os melhore ensinamentos dos pais, valores que pretendo também transmitir aos meus filhos.”

Reconhece não ter sentido a privação do pai “quando era mais pequena e ele passava muito tempo no clube português. Era quase religioso: acabávamos de jantar e lá ia ele.”

Hoje, em retrospectiva, diz não se arrepender “de nenhum sacrifício que a nossa família possa ter feito, sobretudo a nossa mãe, para que o meu pai tivesse ajudado a solidificar esta comunidade. Valeu tudo a pena, sobretudo quando vemos o respeito e a admiração que os netos nutrem por ele. Nunca fizemos nada que o desrespeitasse.”