MANNY LOPES: UM OBSERVADOR DA VIDA DIÁRIA NA FERRY STREET HÁ 50 ANOS

Por HENRIQUE MANO | Newark, NJ

Há quem lhe chame o “Mayor da Ferry Street”. Da porta do seu estabelecimento, há 50 anos que vê, atento, enquanto vende um artigo ou outro, desdobrar-se a vida (e o tempo) pela artéria mais portuguesa da América.

A odisseia de Manny Lopes em Newark remonta a Dezembro de 1973. Há precisamente meio século, e a tempo de evitar uma guerra colonial que tantas vidas ceifara, deixava Ganfei, uma freguesia do concelho de Valença, no coração do Minho, para se juntar ao pai, Avelino Lopes (que emigrara em 1968), na terra de todas as oportunidades.

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | Da porta do seu estabelecimento na Ferry Street, o emigrante minhoto Manny Lopes vê desdobrar-se a vida portuguesa na Ferry Street há meio século

Aos 16 anos, com parte da Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo feita, esperava-lhe um emprego numa casa de ferragens que o pai previamente lhe arranjara. “Dois portugueses, o Mário Fonseca e o Juvenildo de Brito, tinham comprado um negócio a judeus americanos, no 95 da Ferry Street, que mudaram de nome a passaram a chamar Fonseca e Brito”, recorda Manny Lopes, em entrevista ao jornal LUSO-AMERICANO. “Eu não sabia o que era trabalhar; eles deram-se um voto de confiança e disseram-me: aprende este ofício que um dia damos-te uma oportunidade”.

Por volta de 1980, Manny Lopes passa a sócio da Fonseca e Brito e, anos mais tarde, a proprietário único, criando então a Lopes & Sons, que ainda hoje mantém de portas abertas (e que em 2007 passava para o lado oposto da rua).

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | Manny Lopes é Presidente do IBID, o organismo que regula e apoia os comerciantes das artérias mais movimentadas do Ironbound

Manny Lopes conhece a sua loja com a mesma precisão e profundidade com que fala da comunidade lusa local. “Tenho o inventário e o desenho da loja todo na cabeça”, garante. “Se sair, quando regresso, dou uma volta e sei logo o que falta, o que foi vendido na minha ausência”.

De ferramentas a louça em barro, panelas de cobre em ferro fundido, a rolhas, materiais de construção – vende-se ali de tudo um pouco. Tal como se reproduzem chaves e se respondem a mil e uma perguntas dos cidadãos anónimos de todas as nacionalidades que lhe entram pela porta…

“Às vezes isto parece um mini-consulado”, observa, com o humor peculiar que o caracteriza.

De comerciante a líder associativo, foi apenas uma questão de tempo… Em 1995, Augusto Reis, da Associação Fraternal Luso-Americana, convida-o para director desportivo na área do futebol, para depois João Belo o levar para o Sport Marítimo Murtoense – para as mesmas funções. Mas onde chega a Presidente da direcção (com o aval do histórico Gus  Barbosa), mesmo sem ser natural da terra…

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | No seu gabinete de trabalho

Seguir-se-ia a aventura do cultura popular, com a criação em 1978 do Rancho Folclórico “Roca-o-Norte”, que viria a originar vários outros… A apresentação do grupo, no Sport Club Português, foi um estrondo, com Quim Barreiros a apadrinhar.

“Sempre quis um grande rancho e não um rancho grande”, afirma Manny Lopes, que, graças ao amor pelo folclore, também descobriu a mulher da sua vida – a murtoense Deolinda Lopes, que lhe deu os 2 filhos (Andrew e Mark) e a alegria dos netos.

Enquanto existiu, o ‘Roca-o-Norte’ levou longe o folclore português – das Nações Unidas aos 200 anos da América.

Da cidade onde trabalha há 50 anos, diz-se “um vaidoso. Sempre defendi Newark!” Conheceu o seu 1.º ‘mayor’ afro-americano e todos os que se lhe seguiram. Há 25 anos, ajudou a fundar o IBID, a associação de comerciantes do bairro a que hoje preside.

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | Com o xerife Armando Fontoura; o Canal 11 de Nova Iorque considerou-se, em reportagem emitida há semanas, “o mayor do Ironbound”. Mas os políticos que não se exaltem, porque “a única pretensão que nunca tive, foi a de ser político, apesar de ter muito orgulho pelos nossos políticos de origem portuguesa. Para mim, ver um português num cargo publico, dá-me muito orgulho”

“A Ferry Street é um centro comercial ao ar livre e, como tal, precisa de uma entidade reguladora que defenda quem aqui investe e tem negócios”, refere. “Varremos, limpamos a neve, etc.”.

Voltando à Lopes & Sons: “Só encerra no Dia de Natal e de Ano Novo”, diz o proprietário. “Saber lidar com o público é o principal, e gostar-se daquilo que se faz.Eu adoro o que faço! Em 50 anos de contacto com os clientes, nunca tive de chamar a polícia, por isso, estou a fazer alguma coisa certa. Estamos aqui para resolver os problemas às pessoas, não para dificultar”.

Reconhece que a sua clientela vai sendo cada vez menos portuguesa, “o que digo com alguma tristeza. Em mil dólares de caixa que possa fazer, por exemplo, nem 100 vieram de carteiras portuguesas. Mas os proprietários dos estabelecimentos e imóveis ainda são portugueses. É preciso manter isso bem claro, os portugueses ainda são os donos do Ironbound”.

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | Um dos serviços que oferece na loja é a feitura de chaves

Prestes a fazer 66 anos, Manny Lopes não nega que “o meu futuro passa pela América. Enquanto puder, vou-me entreter com isto; estive recentemente 15 dias em Portugal e não estava bem… já não vivo sem isto”.

O Canal 11 de Nova Iorque considerou-se, em reportagem emitida há semanas, “o mayor do Ironbound”. Mas os políticos que não se exaltem, porque “a única pretensão que nunca tive, foi a de ser político, apesar de ter muito orgulho pelos nossos políticos de origem portuguesa. Para mim, ver um português num cargo publico, dá-me muito orgulho”.

Em género de apelo final… “Nunca se esqueçam que somos portugueses e vamos manter isto mais uns anos”.