NASCEU EM NOVA IORQUE MAS CRESCEU EM TRÁS-OS-MONTES, FILHO DE PAI PORTUGUÊS E MÃE SUL-COREANA (A ALMA, ESSA, É BARROSÃ!)
Por HENRIQUE MANO | News Editor
Há quem nasça e cresça talhado para uma existência sem percalços. A vida do jovem Gabriel Cândido Boos Carrelo, de 23 anos, é tudo menos isso… dava um filme, inspira-nos, convida-nos a pensar fora da caixa. Ah, e não lhe peçam que se amargure de tudo por que passou…
O tocador de concertina do Rancho Folclórico “Culturas de Portugal”, de Waterbury, CT, nasceu em Manhattan, filho de pai português e mãe sul-coreana; até aos 18 meses, os arranha-céus da ‘Big Apple’ quase lhe ofuscavam os céus. Com essa tenra idade, “os meus pais decidiram que a melhor maneira de eu ser criado, era ir para Portugal”, conta Gabriel Carrelo, em entrevista ao jornal LUSO-AMERICANO.
E, assim, troca o reboliço de Nova Iorque pela bucólica antiga freguesia de Vilar de Perdizes, no concelho de Montalegre, “onde fui criado por uma tia do meu pai, segunda tia minha, agora com 94 anos, e pelo meu tio.” É em Vilar de Perdizes – “a melhor terra de Portugal”, vai logo dizendo – que vive até aos 15 anos, completando o 10.º ano da escola secundária.
Quis o destino que, há cerca de 7 anos, voltasse a atravessar o Atlântico, para passar a viver com o pai, Cândido Carrelo, no município de Naugatuck, em Connecticut. Sem falar pitada de inglês (e com sotaque barrosão…), Gabriel termina o ensino secundário e entra para a University of Connecticut em Danbury, apostado em tornar-se biólogo. “Não sabia o que queria fazer, estava completamente indeciso e o meu inglês também não era muito bom”, nota. Mas como nada o detém, transita para a Post University, em Waterbury, onde este ano obteve o canudo em Finanças.
Gabriel Carrelo vende seguros em parceria com Fernando Branco e ajuda o pai na gestão de empreendimentos na área imobiliária.
🌐A “DIFÍCIL” ADAPTAÇÃO À AMÉRICA
Carrelo reconhece que a adaptação a uma vida nova na América não foi um mar de rosas… “Vim de uma aldeia com 500 pessoas, onde toda a gente se conhece, somos como uma família, e aqui não conhecia ninguém”, conta. “Só tinha aqui o meu pai, família era pouca, foi difícil. Principalmente porque deixei para trás uma senhora que era minha mãe, que me tinha cuidado e que tinha quase 90 anos na altura, e o meu tio, que faleceu dois anos depois de eu ter vindo para aqui. Foi um bocado complicado deixar para trás basicamente os meus pais e vir para cá começar uma vida nova com o meu pai, com quem nunca tinha vivido, e começar uma nova família.”
Apesar da “adaptação complicada, agora vivo bem, dou-me com toda a gente, não tenho nem rancor nem inveja de ninguém, pelo contrario, desejo o melhor a todos. Acho que a maior parte dos portugueses gosta de mim porque eu, posso não saber o nome deles, mas vou-lhes sempre dizer bom dia. Eu sou assim.”
🌐A DESCOBERTA DA MÚSICA
Tinha 8 anos quando, por altura do Natal, alguém lhe oferece um “acordeão pequenino. Só tinha 5 teclas. Quando dei por mim, estava a tocar o ‘Apita o Comboio’, assim, sem mais, nem menos.”
A tia Margarida vê nele inclinação para a música e matricula-o numa escola em Chaves, onde aprende as primeiras notas ao órgão e ao piano. “Só dois anos depois passei para o acordeão, porque, naquela altura, eu não podia com ele, era ainda muito novo.”
Entretanto, os tios dão-lhe uma concertina e, quando chega aos Estados Unidos, já era versátil numa coisa e noutra.
🌐❝SOU 100% BARROSÃO❞
Depois de, aos 18 anos, ter sido levado para Portugal, Gabriel só voltou a ver a mãe (ela própria adoptada por uma família francesa) aos 12. O reencontro deu-se depois de o jovem luso-descendente ter sido contactado via Facebook por uma meia-irmã que à altura desconhecia ter. “Encontrámo-nos em Portugal, foi quando a vi pela primeira vez”, relembra. “E ela, que podia falar umas 20 línguas, só não falava português e eu não falava nem francês nem inglês. Uma vizinha minha, que esteve na França muito tempo, foi quem esteve comigo a traduzir para que pudéssemos ter uma conversa.”
Gabriel voltaria a ver a mãe, com 17 anos e na América, “e aí já pude ter uma conversa mais ou menos.”
Apesar de americano de nascimento e da sua costela asiática, o tocador de concertina assume-se “100% barrosão. Se me convidarem a ver um jogo de futebol americano ou uma chega de bois, vou ver a chega de bois. Sem problema!”
🌐❝A MINHA VIDA FOI UMA BÊNÇÃO❞
“Sei que não fui criado pelos meus pais, mas não estou amargurado com a vida. Não foi uma vida triste, há quem tenha pior. Acho mesmo que foi uma bênção”, reconhece, “ter sido criado por uma mulher e por um homem que tinham uma cultura que já não existe. Nós não tínhamos dinheiro. O meu pai podia estar na América e muitos portugueses podiam pensar: ‘ah, tem dinheiro’, mas não, vivíamos numa casa com uma lareira no meio que aquecia a casa toda. Nunca passámos necessidades, era uma vida simples, mas não se passava nem fome, nem sede. Pelo contrário: eu tenho mais comida quando vou a Portugal do que quando estou aqui nos EUA. Não falta nada – cultivávamos as batatas, couves, tínhamos galinhas, coelhos, porcos, fazíamos presuntos…”.
A diferença dos traços no rosto também podiam ter ditado uma infância e adolescência de amargura. Não com Gabriel. “Eu sabia que era diferente dos outros, as pessoas ali não estavam muito expostas a outras culturas, nunca tinham visto um chinês. Eu não digo que sofri de racismo, porque nunca vi isso como racismo, mas as pessoas discriminavam um bocadinho, chamavam-me chinês e eu acusava logo o toque, não gostava. Depois, tanto que me adaptei, que comecei a criar amizades e tenho lá amigos que são como família. Isso para mim foi uma ‘blessing’, uma história de vida que ninguém viveu.”
No regresso definitivo à América, “estavam 20 amigos a chorar à porta de minha casa. Foi talvez um dos piores e melhores momentos da minha vida.”
Gabriel garante não mudar nada no roteiro de vida que o destino lhe reservou. “É claro que adoraria viver com o meu pai e a minha mãe e ter irmãos, se calhar isso passou-me pela cabeça e, se calhar, já verti muitas lágrimas à conta disso. É que, apesar de ter gostado da minha vida, não é a que desejo dar aos meus filhos; quero ser um pai presente e ter uma mulher que seja uma mãe presente e ter filhos que sejam criados pelos dois e que lhes possa dar o melhor.”
Mais do que da vida que deixou para trás, tem mesmo é “saudades da minha tia. Cada vez que a deixo, deixo-a em lágrimas.”