OPINIÃO: Mas será que o Brasil vai mudar de cor?
Por CLAUDIA CATALDI | Jornalista
Dizem que o futebol não é apenas um esporte, é uma herança afetiva. No Brasil e em Portugal, ele é quase religião. Em Lisboa ou em Salvador, em Braga ou no Rio, há um mesmo gesto: o olhar fixo na televisão, o silêncio ansioso antes do gol, o abraço apertado quando ele finalmente acontece. Somos povos que aprenderam a amar com a bola nos pés e, principalmente, com a camisa no peito. Por isso, a notícia de que a Seleção Brasileira poderá vestir vermelho na Copa do Mundo de 2026 não passou despercebida. A revelação, feita pela Nike, gerou polêmica de Norte a Sul, atravessou o Atlântico e chegou aqui, aos bairros lusos dos Estados Unidos, onde brasileiros e portugueses dividem padarias, bandeiras e paixões. A nova camisa, ainda não oficializada pela CBF, seria usada como uniforme alternativo. A principal, a clássica amarela, permanece. Mas a simples menção de um Brasil vestido de vermelho provocou reações inflamadas. O narrador brasileiro Galvão Bueno classificou a ideia como “uma ofensa sem tamanho ao futebol brasileiro”. E não está só: nas redes sociais, milhares de torcedores evocaram a tradição, os títulos, os ídolos. Afinal, são cinco Copas do Mundo. Mais de 100 anos de história. Pelé, Garrincha, Romário, Ronaldo, Marta. A camisa amarela não é apenas cor, é símbolo, é memória viva. Como esquecer o gol de Carlos Alberto Torres em 1970? Ou a arrancada de Ronaldo em 2002? E quando Marta, de batom roxo e olhar firme, cravou seu nome na história do futebol mundial? Mas, do outro lado, há quem defenda a novidade. Alguns veem no vermelho um símbolo de bravura, paixão e força. Uma cor que também carrega história, a mesma que tingiu os mantos de Portugal em tantas conquistas. A Seleção das Quinas, afinal, também é parte dessa narrativa emocional compartilhada. Em 2016, quando Portugal ergueu a taça da Eurocopa, o mundo lusófono vibrou unido. Foi como se o Fado e o Samba tivessem marcado juntos no mesmo minuto. E aqui nos Estados Unidos, onde a comunidade luso-americana chega a cerca de 1,4 milhão de pessoas, esses vínculos se renovam a cada geração. Em Newark, Mineola, Fall River, New Bedford, o futebol continua sendo ponte. Nas casas há camisas dos dois lados do Atlântico: ora verde-amarelas, ora vermelhas com a Cruz de Cristo. Mas o sentimento? O mesmo…“Ver o Brasil jogar me lembra a infância com meu avô, que era português. A gente torcia junto, com pão com manteiga na mão e coração dividido”, conta Marina Almeida, nascida em New Jersey, filha de mãe carioca e pai de Aveiro. “Pra mim, a camisa é importante, mas o que importa mesmo é o jogo bonito.” É possível inovar sem apagar a memória? É a pergunta que paira. Talvez, como nas melhores famílias, caiba também à Seleção uma camisa de festa, uma homenagem, uma ousadia, desde que traga consigo o mesmo encantamento. Porque, no fim, o futebol nos une não pela cor da camisa, mas pelo que ela representa: orgulho, identidade e pertencimento. E seja de ouro ou rubi, quando o Brasil entra em campo, o coração bate forte. Aqui, lá e em qualquer lugar onde se fale português. (Nota da redacção: por se tratar de um texto de opinião, decidimos manter a grafia portuguesa utilizada no Brasil.)