ANDRÉ SOUSA: português está a dar a volta ao mundo numa mini-mota
“Ride That Monkey”: Um redorde de coragem e resiliência
Por: GUILHERME CERQUEIRA | Luso-Americano
“Ride That Monkey” é o projecto-sonho de André Sousa, que conta uma história imbuída de coragem e resiliência. A todos os contratempos que podem surgir numa viagem pelo mundo, nesta aventura acrescem algumas peculiaridades, como a natureza da moto e o contexto pandémico, tornando este projecto um desafio sem par.
O determinado motociclista português desde cedo que valoriza a palavra de uma pessoa, mais do que qualquer outra coisa. “Tenho muito orgulho e respeito pela palavra de uma pessoa. Quando digo que faço algo, tenho de o cumprir.”, confidenciou o jovem português ao LUSO-AMERICANO.
Diversas adversidades foram surgindo, mas a resiliência e o desejo de concretizar este sonho continuam a ‘falar mais alto’.
“Eu comprometi-me a realizar este projecto e dou a minha vida por ele. Não pelo que as outras pessoas vão pensar de mim, mas por mim próprio. Já tive várias situações que quase me obrigaram a desistir, desde fronteiras fechadas, a problemas de saúde, a ser assaltado… e nunca me deixei derrotar, pois quero chegar a Portugal e sentir-me realizado. Quero sentir que concretizei o meu sonho e que fui ca-paz de ultrapassar todas as dificuldades por que passei. Desistir, nunca!”, reiterou.
A convicção inabalável de André Sousa foi posta à prova logo antes de começar a sua viagem, quando Portugal teve a primeira fase de confinamento, poucos dias antes da data prevista para o arranque desta aventura, na vila de Avis, em Porta-legre.
O dia da partida estava organizado com grande simbolismo, com corridas de motas e concertos musicais, mas, infelizmente, as restrições não permitiram a inauguração épica que esta viagem merecia. Ainda assim, e apesar in-certeza de conseguir sair de Espanha, a ambição do jovem português não ficou melindrada. Teve de abdicar de muito, mas não do essencial. O seu sonho.
A 12 de Julho de 2020, iniciou a sua viagem e rumou a Espanha. Após 2 anos e um mês já percorreu mais de 55.000 quilómetros e passou por 40 países, aos comandos de uma Honda Monkey 125cc com 9 cavalos e 70 centímetros de altura.
Com esta mini-mota amarela, a quem chama carinhosamente de “Su-per-Tremoço”, conquistou as estradas da Europa, desde Portugal até à Bulgária.
Na altura, em 2021, o contexto pandémico levantava muitos obstáculos às travessias entre fronteiras, pelo que se tornou impossível concretizar o plano inicial de atravessar a Ásia naquela altura.
Em Agosto de 2021, os planos sofreram adaptações e André optou por inverter o sentido e rumar aos EUA, onde tinha planeado terminar o percurso, o que acabou por ser a opção mais viável, pois conseguiu atravessar o continente americano sem grandes limitações, enquanto as restrições pelo resto do mundo se iam mitigando.
Chegado a Nova Iorque, onde começou a sua odisseia americana, visitou a ‘grande maçã’ e partes de Nova Jersey, como Atlantic City.
André foi recebido pe-lo vice-presidente do motoclube do PISC, de Elizabeth, Tony Rodrigues, que o presenteou com uma visita ao topo do edifício World Trade Center.
André fez a travessia até à costa oeste, passando por cidades emblemáticas como Filadélfia, Washington e Nashville, visitando depois o Grand Canyon e completando a maior parte da Route 66, que seguiu até Los An-geles.
Sobre os EUA, André mostrou-se imensamente surpreendido com a generosidade das pessoas. “Sinto que, por vezes, há um estigma negativo em relação aos americanos e confesso que fiquei muito surpreendido pela positiva. Fui super bem recebido por toda a gente, quer por imigrantes portugueses, quer por locais.
Os EUA tem pessoas incríveis. Muitos abordaram-me na rua sem me conhecerem, curiosos por causa da mota.
Muitas vezes, quando parava para comer, pessoas que não me conheciam vinham ter comigo e quando lhes apresentava o projecto pagavam a minha conta e ofereciam me doações.
Mais do que as paisagens e os locais que vou conhecendo, são as pessoas o bem mais valioso que retiro desta viagem. Nos EUA conheci algumas pessoas fantásticas, que ainda hoje mantenho contacto e espero voltar a encontrar.
As pessoas inspiram-se em mim e no meu sonho e querem ajudar-me. Dos 3 meses que estive em viagem pelos EUA, só acampei 4 noites. Dormi em mais de 60 casas.
Gastei menos dinheiro nos EUA do que em países com um custo de vida muito inferior. Isto para mim era impensável!” confidenciou o jovem ao Jornal Luso-Americano.
Na sua rota pelo sul do país, passou pelo estado do Tennessee onde perdeu uma das tampas dos bidons de gasolina, enquanto ia em viagem.
Ao parar numa loja para tentar arranjar uma substituta, foi interpelado por um senhor nos seus 70 anos de idade que ficou curioso e quis conhecê-lo. O senhor disse-lhe que adorava motas e, muito embora sempre tenha andado bastante de mota, desde que o seu melhor amigo e companheiro de viagens tinha falecido, nunca mais foi capaz de conduzir.
Emocionado, o senhor começou a chorar. André saiu da mota, abraçou-o e disse-lhe que o iria levar no pensamento durante esta viagem e nunca se ia esquecer dele.
Após alguns minutos de conversa, os dois despediram-se e André entrou na loja.
Quando chegou ao sítio onde ia pernoitar, abriu a mochila que tinha deixado na mota e ficou estupefacto quando viu que o senhor lhe tinha colocado dinheiro no bolso, sem lhe dizer.
“Fiquei extremamente sentido com o gesto e gostava muito de lhe poder agradecer, mas in-felizmente não tenho como o contactar”.
“Este é um exemplo da razão pela qual eu sempre me refiro a “nós” ao longo desta viagem. Era impossível completar todo este percurso sem estas ajudas espontâneas. Os patrocinadores dão um apoio essencial, mas a ajuda das pessoas que vou conhecendo ao longo do caminho é indispensável para alizar a viagem e conhecê-las é o que mais me enriquece”, admitiu.
André partilhou as maiores adversidades que tem sentido durante a viagem, sem esquecer a saudades da família, dos amigos e do seu país, destacou a necessidade de ter um “psicológico muito forte”, pois todas as se-manas tudo muda.
“A vida na estrada não tem estabilidade nenhuma. Em pouco tempo mu-dam as pessoas, os sítios, o idioma, o clima, a cultura, etc. É uma adaptação diária. Não é para todos e é extremamente cansativo. Já tive os melhores e os piores dias da minha vida [durante esta viagem]. Se não tivesse uma mentalidade muito forte e uma ambição enorme de concluir este sonho, já tinha desistido algures”, disse.
Fisicamente, é também um desafio muito exigente. Sendo que uma volta ao mundo de mota é desgastante, mas uma mini-mota exponencia todas essas dificuldades.
A Honda Monkey que o acompanha não é, de todo, uma mota feita para viagens grandes. É sim, uma mota de cidade. Uma mota que não permite a postura de condução própria de grandes viagens e que ao fim de percorrer tantos quilómetros torna-se muito doloroso. No entanto, André mostrou-se impressionado com a mota e revela que não escolheria outra marca para esta viagem.
“Honda é a marca mais resistente do mundo. Chega a fazer 600 kms num só dia. Como é que uma mini-mota faz 50.000 kms e não tem uma única avaria? É impressionante. Muda-se o básico (óleo, pastilhas, etc.) e põe-se gasolina”, confidenciou.
O piloto aproveitou para agradecer à Honda Portugal por ter forneci-do a mota e por todo o apoio que lhe tem dado desde o princípio. “A Honda parece uma irmandade mundial. A Honda Portugal oferece-me as peças de reposição e a-poio nos transportes, mas a mão-de-obra cabe a cada concessionário e até hoje não houve um único país que tivesse cobrado pela mão-de-obra. Às vezes estão 6h de volta da mota e não me cobram. É surpreendente essa generosidade. Estou muito grato a todos”.
Ainda durante a passagem pelos EUA, André recebeu uma mensagem de um senhor que vivia nos arredores de Dallas, no Texas, e que demonstrou muito gosto em recebê-lo em sua casa. “O perfil não tinha fotos e eu não fazia ideia que tipo de pessoa era e até nem estava a pensar fazer a-quele desvio, mas eu viajo por pessoas e não pelos locais e houve algo na mensagem do senhor que me suscitou curiosidade em o conhecer.
Acabou por ser uma experiência incrível. Eu e o senhor criámos uma relação muito próxima. Percebemos que temos muito em comum e adorámos falar um com o outro. Ele tem imensa cultura e discutimos uma grande variedade de te-mas. Normalmente, estou uma ou duas noites com quem me recebe. Estive 11 dias em casa deste senhor que agora posso chamar de amigo. Fomos ver basebol, ‘rodeos’, concentrações de carros e conversámos muito. O mo-mento da despedida foi muito emocionante para os dois mas tenho a certeza que quando terminar a minha viagem, voltarei para o visitar. Ele foi a Portugal e fez questão de conhecer o meu pai”, descreveu André, emocionado, acrescentando que não há dinheiro que pu-desse substituir as experiências que esta viagem tem proporcionado.
No final da sua passagem por este país, teve ainda uma situação que o marcou especialmente. Um acidente que sofreu na Califórnia. O embate aconteceu à saída do Death Valley, na Califórnia, quando um camião bateu na sua Monkey a 90 km/h. As consequências foram graves e obrigaram o piloto português a interromper a sua aventura e receber tratamento durante dois meses. Um ano depois do acidente, as mazelas nas costas ainda lhe tiram o sono, mas não lhe tiram o sonho.
Em Dezembro de 2021, André passou a fronteira para o México e iniciou a sua rota pela América latina, onde viajou até à Argentina, passando por quase todos os países desse continente e onde diz ter histórias suficientes para escrever o livro que irá editar quando esta aventura terminar.
Porém, as peripécias não ficaram por aqui e entretanto já atravessou o imenso território australiano, subindo toda a costa Este, mergulhou na grande barreira de coral e atravessou o deserto até à cidade de Darwin, onde embarcou para Timor-Leste, local em que se encontra neste momento.
Através de uma família portuguesa que trabalha nas Nações Unidas e que o acolheu na Austrália, André conseguiu estabelecer contacto com o presidente da antiga colónia portuguesa, José Ramos-Horta, que o recebeu generosamente e mostrou prontidão em o ajudar nesta travessia pelo seu país. “Mal percebi que podia passar por Timor, isso passou a ser um sonho. Queria conhecer o país, que foi uma antiga colónia portuguesa, e queria sobretudo conhecer o presidente Ramos-Horta, por tudo o que ele fez pela independência daquela terra. Fiz mesmo questão de passar por lá e pela Indonésia antes de seguir para a Malásia e a Tailândia”, explicou.
Aquando a sua chegada a terras lusitanas, para já, André apenas pensa em descansar, matar saudades da sua família e compilar várias histórias desta viagem num livro. “Não tenho a certeza do que vou fazer profissionalmente quando chegar a Portugal, mas tenho a certeza que o André que saiu de Avis não será o mesmo que irá regressar. Alguém que dá a volta ao mundo e organiza toda esta logística e todas as componentes envolvidas é alguém que está preparado para qualquer desafio e tem ‘soft skills’ super desenvolvidas, o que é um dos maiores activos para qualquer empresa”.
Quando questionado sobre a passagem pela Ásia e se sentia que a barreira linguística iria ser limitadora, mostrou-se confiante dizendo que “quem tem cultura, adapta-se em qualquer lado”.
O piloto aproveitou para agradecer a todos os seus patrocinadores, a todos os seus seguidores e a todas as pessoas que, pelo caminho, o ajudaram e tornaram-se esta “loucura” num sonho viável e culturalmente rico.
Quem quiser apoiar esta aventura pode seguir a conta de instagram @ride_that_monkey e on-de poderão encontrar o link para fazer doações.
O jovem continuará a perseguição ao recorde da “volta ao mundo numa mini mota”, iniciando a-gora a travessia pelo continente asiático, onde continuará a inspirar outros a realizarem os seus sonhos.
Se André Sousa fosse heterónimo de António Gedeão, diria: “que o sonho comanda a vida / que sempre que o homem sonha / André pelo mundo avança / como uma mota colorida / entre as mãos de uma criança”.