PORTUGUESA QUE TRABALHOU EM RESTAURANTE NO 107.º ANDAR DO WTC REVIVE OS HORRORES DO 9/11
Por HENRIQUE MANO | Jornal LUSO-AMERICANO
Em Outubro de 1999, Elizabeth Alves (hoje Vagos por via do casamento) era funcionária de uma unidade de hotelaria em Manhattan, a assessorar o director-geral. Ao saber de uma posição disponível para assistente da vice-presidente e directora de catering no ‘Windows on the world’, resolveu concorrer ao cargo. “Fiz a entrevista de trabalho e fui logo contratada”, conta, em entrevista exclusiva ao jornal LUSO-AMERICANO, esta portuguesa nascida em Luanda, Angola, filha de pais transmontanos, Eduardo e Profetina Alves, de Penalonga.
Era o início de uma nova e excitante era na sua vida. Afinal, passava a fazer parte da equipa administrativa de um dos mais famosos restaurantes de Nova Iorque, que ocupava dois andares cimeiros (o 106.º e o 107.º) da Torre Norte do World Trade Center.
“Vivia em Queens na altura e apanhava sempre cedo a linha E do Metropolitano para estar no World Trade Center, que era a última estação, por volta das 8:30 da manhã e começar o serviço às 9:00”, relata.
Chegada à zona subterrânea do WTC, Elizabeth subia as escadas de acesso ao lóbi da Torre 1, apanhava um elevador até ao 77.º andar e um segundo para o 106.º, onde trabalhava. Esta foi a sua rotina matinal diária durante cerca de dois anos, até àquele fatídico dia de 2001…
Maria Elizabeth Alves Vagos tinha pouco mais de um ano quando saiu de Angola rumo a Portugal, onde viveu até aos 9 anos. “Nessa altura emigramos para os Estados Unidos e vamos para Jamaica, NY, onde estamos até 2013, altura em que me mudo com o meu marido e filho para Long Island”.
🌐NO TOPO DO MUNDO
No ‘Windows on the World’, a portuguesa sentia-se peixe dentro d’água – “dava-me bem com toda a gente e andava pelos departamentos todos.” O espaço de restauração incluía, à parte a sala de jantar principal, um restaurante mais pequeno chamado ‘Wild Blue’, o bar ‘The Greatest Bar on Earth’ e salões para eventos. Concebido pelo ‘restaurateur’ Joe Baum, ocupava 4 600 metros quadrados de área e tinha aberto a 19 de Abril de 1976.
Quando o primeiro ataque atingiu as Torres Gémeas, em 1993, um empregado do restaurante que despachava produtos para o ‘Window’s on the World’ numa garagem subterrânea foi apanhado nas teias do terrorismo e morreu; o restaurante encerra e passa por obras de restauro avaliadas em 25 milhões de dólares, reabrindo três anos depois.
A 11 de Setembro de 2001, a manhã de Elizabeth (Liz para os amigos) começa como todas as outras; chega à estação do Metro em Jamaica a tempo e horas. O restaurante tinha alguns eventos planeados para o pequeno-almoço, incluindo um congresso da Risk Waters Financial Technology. “Queria chegar lá cedo para ajudar e por volta das 7:00 já estava na estação em Queens”, recorda, “mas por alguma razão perdi o Metro e tive de esperar pelo próximo.” Esse episódio pode ter-lhe salvo a vida…
🌐O INFERNO NA TERRA
Quando finalmente chega ao WTC, “olho para o relógio para controlar as horas e reparo que são 8:50, ou seja, poucos minutos depois de o primeiro avião ter embatido na Torre Norte, precisamente onde estava o restaurante.” Sem que disso se apercebesse, o Boeing da American Airlines, Voo 11, penetrara violentamente, 4 minutos antes, pelo gigantesco edifício, matando todas as pessoas que se encontravam no ‘Windows on the World’.
Ao sair do metropolitano em direcção ao lóbi do WTC, ouve estrondos muito fortes, “pareciam tiros de metralhadora. Eram os estilhaços dos vidros da torre a caírem no chão”, nota. Há uma voz de comando que orienta Elizabeth e outros passageiros para a Church Street. “Quando olho para o céu, vejo o edifício em chamas, com fumo negro muito denso por todo o lado. Ninguém sabia o que se passava.”
Elizbeth tenta várias ligações telefónicas para diferentes departamentos do restaurante. Sem êxito. “Às tantas, alguém começa a gritar ‘Meu Deus, meu Deus’. Eu sabia que eram corpos a estatelarem-se no chão e não consegui olhar… Decidi começar a andar em direcção a norte, distanciando-me das Torres. Pensei na minha mãe que estava só em Jamaica, o meu pai tinha ido dias antes a Portugal.”
🌐VIU AS DUAS TORRES EM CHAMAS
Depois de, a muito custo, ter encontrado um telefone público para ligar para casa (os telemóveis perderam rede) e tranquilizar a mãe, continuou a caminhada rumo à zona alta de Manhattan. “Parecia que estava a andar há uma eternidade, mas não era; tinha perdido a noção do tempo e do espaço.”
Não tardaria muito, a segunda aeronave – voo 175 da United airlines – despenhava-se contra a Torre Sul. “Ouço um estrondo muito grande, olho novamente para o céu e vejo a segunda torre a arder”, diz. “Estavam as duas em chamas. Nessa altura percebi que estávamos a ser atacados.”
Elizabeth consegue apanhar um táxi em direcção ao edifício na zona central de Nova Iorque onde trabalhavam uns amigos. É nesse trajecto que ouve na rádio a notícia de que a primeira torre atingida colapsara. “Foi horrível, comecei a pensar nos meus colegas todos que lá estavam”, recorda, de lágrimas nos olhos. Consegue chegar a casa mais tarde, quando o serviço de Metropolitano é retomado.
Nunca mais seria a mesma. “Fui a vários serviços fúnebres de colegas meus até que cheguei a um ponto que já não podia mais”, afirma. “Estava totalmente desgastada; passei semanas sem dormir, cada vez que apagava as luzes do quarto, era transportada de novo para aquele pesadelo.”
🌐STRESS PÓS-TRAUMÁTICO
Elizabeth passou um ano a tentar perceber por que razão teria sido poupada pelo destino, remando contra sentimentos de culpa, remorsos de não ter chegado a tempo naquele dia ao serviço. “Porquê? Porquê? Interrogava-me. Um dia estava na igreja e tive a clareza de entender que foi assim porque Deus quis, tinha outros planos para mim, o meu filho ainda teria de nascer.”
Apesar disso, a portuguesa continuou uma espécie de travessia no deserto. “Durante o ano chego a pensar que esqueci tudo, mas quando se aproxima esta data… parece que volta tudo, os sentimentos de culpa e impotência.”
Elizabeth Vagos tenta continuar a sua vida; arranja novo emprego em Manhattan. “Foi quando comecei a ter ataques de pânico e ansiedade durante as horas de trabalho, sem saber o que era ou fazer. Cheguei a estar uma semana em casa doente, sem conseguir falar e com dificuldades de respiração.”
Correu tudo o que era médicos. Nada lhe era diagnosticado. Quando finalmente revela a um deles ter trabalhado no WTC, é aconselhada a ver um psiquiatra, que lhe diz ter stress pós-traumático. Passa a tomar medicação e a perceber melhor a situação. “Foi um horror, pensava que ia morrer”, diz.
Com o liceu feito em Jamaica, no Hillcrest High, e o curso de gestão de empresas numa escola técnica, arranja emprego com facilidade em Long Island. “Nunca mais consegui trabalhar em Manhattan. Tenho pavor a espaços fechados, a elevadores, cinemas, centros comerciais ou grandes ajuntamentos e sinto que Nova Iorque pode ser um alvo a toda a hora de algo semelhante ao 9/11.”
Ao filho de 9 anos, resultado do seu casamento com um português de Cantanhede, diz ter explicado o essencial, sem entrar em pormenores: “Contei-lhe que haviam duas torres na cidade e que a mãe trabalhava numa delas, até que gente má a destruiu. E pronto. Mas quis que tivesse alguma noção de que este tipo de coisas podem suceder.”
No ano 2000, o ‘Windows on the World’ facturara 37 milhões de dólares, o que fez dele o restaurante mais ben sucedido nos EUA.
🌐A ÚLTIMA CHAMADA
Na manhã do fatídico 9/11, todas as pessoas que se encontravam no restaurante ficaram sem acesso às escadas ou elevadores – cortado depois do impacto do choque do avião. Crê-se que as suas vítimas tenham morrido por asfixia, inalando o fumo do incêndio provocado pela aeronave, ou atirando-se em desespero das amplas janelas do edifício para o solo. Ou ainda no colapso da torre.
Estavam pelo menos 72 funcionários presentes à hora do impacto; a ‘assistant general manager’ Christine Olender foi a última a suplicar desesperadamente por ajuda em chamadas para a Autoridade Portuária. Às 9:40, o telefone do ‘Windows on the World’ silenciou para sempre.