Vila Real: Companhia Urze Teatro leva emigração clandestina a palco

A companhia Urze Teatro vai estrear, esta sexta-feira à noite, em Vila Real, a peça “Ir a salto”. É uma história que se baseia em relatos reais de quem nos anos 60 do século XX arriscou a sair clandestinamente de Portugal para procurar melhor vida noutros países, nomeadamente em França.

Para atravessar a fronteira para Espanha de forma furtiva, muitos dos descontentes com a situação de miséria no nosso país, procuraram a ajuda de passadores. Eram eles que, em troca de dinheiro, facilitavam a fuga contornando as autoridade policial espanhola.

Mas nem todos os passadores agiram de forma honesta. É uma dessas vigarices que está em destaque na peça, que atinge os protagonistas Francisco e Aurora. Julgando

que estavam a chegar a terras gaulesas foram deixados na aldeia de França, no concelho de Bragança, muito longe do destino. Entretanto, quem os enganou esfregava as mãos de satisfação com o dinheiro do passe no bolso.

Há, porém, uma explicação para esta “emigração frustrada”. O dramaturgo lembra que “a taxa de analfabetismo era muito alta, trinta e tal por cento na altura, mais nas mulheres do que nos homens”.

Entre 1960 e 1969, cerca de 640 mil pessoas saíram de Portugal e foram à procura de melhor vida no estrangeiro. Entre 20 e 25% foram a salto, ou seja, de forma clandestina.

O trabalho de investigação para a peça teve a colaboração de José Eduardo Reis, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, sediada em Vila Real. O director artístico da Urze, Fábio Timor, destaca ainda a colaboração de “uma série de antigos emigrantes e, inclusivamente, de alguns passadores”.

Fábio Timor já teve de sair do país e tem outras histórias de emigração na família. Uma decisão que “nunca é fácil”. Explica que “os cheiros da infância, dos avós, dos primos, os locais de brincadeira, o baloiço, o jogo de futebol… só existem naqueles sítios”. Por isso “é bom lembrar aos decisores, quando abordam a questão da emigração com uma certa ligeireza, que emigrar não é fácil, nunca é”.

Esta peça é também uma chamada de atenção para a situação actual. Para as dificuldades que atravessam todos os que vão à procura de melhor vida em Portugal e que, por vezes, são olhados de lado, num país em que tantas pessoas foram emigrantes ou são familiares deles.