2021 – O ano que definirá a América
Estamos em 2021. O mundo estava ansioso para que o calendário virasse a página. Estávamos prontos para acabar com 2020 – para o esquecermos. Foi um ano de tribulações, marcado pela pandemia que, infelizmente, não terminou com a viragem do calendário. Estamos no Ano Novo, porém, pelo menos durante o primeiro trimestre, 2021 será muito semelhante a 2020. Aqui nos Estados Unidos, há pelo menos dois sinais de alívio: chegaram as vacinas e Donald Trump está de saída. Há uma renovada esperança em que alguma normalidade volte ao nosso quotidiano, apesar de saber-mos, que nada será como dantes, a pandemia continua a devastar as nossas famílias, assim como a sombra de Donald Trump. Num ano em que vivemos uma pandemia única, a qual nos deveria ter proporcionado um propósito comum, colocou-nos, aqui nos EUA: uns contra os outros. É imperativo que 2021 seja um ano para sarar feridas. Para sermos a América que todos acreditamos e que o mundo precisa.
Precisamos trabalhar em conjunto para darmos uns aos outros uma nova oportunidade e baixarmos a temperatura. Podemos vir de lugares diferentes, termos crenças diferentes, mas partilhamos o amor pelo país.
JOE BIDEN presidente-eleito dos EUA
Em termos da pandemia, o Ano Novo começa nos Estados Unidos com o paradoxo da distribuição de duas vacinas e a promessa de mais duas, em breves dias, um bom sinal para alguma “normalidade”, enquanto que há estados em toda a união americana com acréscimos significativos no número de infectados, novas variantes vindas, essencialmente, do Reino Unido e da África do Sul, e a preocupação legítima divulgadas pelas entidades públicas, de um invertível crescimento no números de infectados, um pouco por todo o país, por motivos de quem não seguiu as regras recomendadas, quer no Natal, quer na despedida de 2020. Na chefia das políticas na saúde pública, o novo ano começou, exactamente, como acabou o ano velho: a abdicação total da Casa Branca em liderar medidas de apoio à sociedade americana.
No mundo político, entramos 2021 com a saída, em breves dias, de Donald Trump e com a promessa de Joseph Biden de estender um ramo de oliveira e governar sob o lema da união. Apesar das minhas convicções políticas (quem não as tem?), tal como Biden, acredito que é importante cultivarmos um terreno comum, com civismo, identificando os projectos que podemos construir em vez de enaltecer- mos o que nos diverge. Tal como muitos americanos, Biden também me atraiu, porque representa a bonança depois de uma aterradora tempestade.
Com cada dia que se passa pergunto-me: será possível o regresso a um clima político mais estável? Tal como em termos de saúde publica, será que também em política teremos uma nova “normalidade”? Como temos visto, desde que ficou claro que perdeu a eleição, Donald Trump comercializou, com enorme sucesso (já arrecadou mais de 220 milhões de dólares) uma afrontosa realidade alternativa, de modo que as últimas sondagens indicam que perto de 70% dos eleitores republicanos acreditam que a vitória de Joseph Biden foi ilegítima. Trump, levou a sua recusa em admitir a derrota e ceder as eleições a patamares impensáveis e diria, perigosos. E a esmagadora maioria dos republicanos no Congresso, ativa ou passivamente, seguiu o jogo do seu ainda líder, traindo o processo democrático e mostrando um perfil de subserviência e covardia inimagináveis.
Mas o Ano Novo (mesmo um anormal como este) traz sempre esperança. E este será um ano fulcral para o entendimento e o pragmatismo no seio da sociedade americana. Neste momento Trump está a fazer as malas. A 20 de Janeiro, Joseph Biden será o 46º presidente dos Estados Unidos. O aparecimento das vacinas, com uma liderança nacional eficaz e empática, promete um futuro com menos mortes, menos dor e menos medo. Com Biden teremos, talvez a última oportunidade, para redescobrirmos a cooperação, o entendimento, o trabalho em conjunto, em que cada qual cede um pouco para o bem comum. Mais do que o teatro político que se espera com a confirmação no Senado dos membros do governo de Biden, os inevitáveis escândalos que a comunicação social americana adora deflagrar, a trovoada que Trump pretende provocar (que só será possível se a comunicação-social lhe der oxigénio), as invitáveis réplicas do distanciamento social e do abrandamento económico, acima de tudo isto, 2021 ficará na história americana como o ano em que a sociedade americana escolhe entre um novo recomeço, ou a prisão dos últimos quatro anos, fundamentada no divisionismo que corrói o multiculturalismo americano, com custos elevadíssimos para a América e o mundo.
Se as últimas semanas forem indicativas do que podemos viver ao longo do primeiro ano de uma governação Biden, mesmo com uma sociedade envenenada por Donald Trump, existe esperança de uma narrativa política mais civilizada, com membros de um governo que prezam a diversidade estadunidense, a experiência, e o trabalho árduo da administração diária de um país multifacetado e progressista. A liderança americana, em parceria com o mundo, enfrentando assuntos importantes para a humanidade.
Biden, tem dado umas fortes dentadas na língua, e rolhado os dentes, como dizia a minha avó, a bem de uma transição pacífica. Com uma crítica esporádica ao comportamento narcisista de Donald Trump, o presidente-eleito tem sido extremamente sóbrio nas suas críticas à conduta dos líderes republicanos no Congresso, particularmente no Senado, onde esteve 36 anos. E tudo indica que não é apenas postura pública, para ser difundida pela comunicação social. O jornal Washington Post publicou uma notícia, segundo a qual, numa reunião recente com os seus apoiantes, Biden mostrou-se otimista com as oportunidades de bipartidarismo, dizendo-lhes: “Posso ter que engolir estas palavras, mas prevejo que com o desvanecimento da sombra de Donald Trump, teremos uma nova oportunidade de trabalharmos em projectos comuns.”
Na realidade, 2021, o ano que todos queríamos que viesse quanto antes, será marcado por uma amalgama de políticas nacionais e pelo tom que Joseph Biden e Kamala Harris conseguirem dar à narrativa nacional. Há a necessidade de maior respeito, ninguém o nega, mas também é importante que haja um discurso nacional, honesto e frontal sobre alguns dos dilemas que afetam a sociedade americana, incluindo as disparidades económicas, o racismo institucional, as reformas na saúde pública, o progresso nos direitos civis, as desigualdades no acesso às novas tecnologias, a dicotomia do mundo urbano/mundo rural, a reorganização do ensino no mundo pós-pandemia e a reconstrução das degradadas infraestruturas americanas. Todos estes desafios terão de ser enfrentados em simultâneo com uma nova postura americana no palco internacional. O Ano Novo terá de ser marcado pela visão que se baseie na premissa que acreditar na América é acreditar no mundo, já que este país é composto por cidadãos e culturas de todo o mundo.
A entrada de 2021 aconteceu com Joseph Biden e Kamala Harris, num espírito conciliatório, abrindo portas para o diálogo. Essa interlocução só será possível com um Partido Republicano livre das amarras de Donald Trump, e um público menos manipulado pelo ódio. O ramo de oliveira que Biden quer estender à liderança do Partido Republicano só terá as repercussões necessárias para o progresso americano se os conservadores se desviarem do populismo do magnata de Nova Iorque e dos nacionalismos e a xenofobia que abraçaram nos últimos quatro anos. Apesar de estarmos a praticamente quatro anos das próximas eleições presidências, a governabilidade do país depende da tónica que os futuros candidatos à presidência, pelo Partido Republicano, quiserem dar à narrativa nacional. A libertação das correntes impostas por Donald Trump é essencial para que 2021 seja um ano de progresso para a sociedade americana.
Acredito que Joseph Biden quer sarar as feridas dos últimos quatro anos. Acredito que é genuíno o seu desejo de ressuscitar a alma americana e renovar a esperança para todos os cidadãos deste país. O seu discurso tem sido conciliatório. A resposta está alicerçada em três vertentes: a eficiência da sua governação em tempos pandémicos, o nível de obstrução da oposição e a determinação do povo americano em reconstruir o sonho americano com novas oportunidades e mais equidade.
Em 2021 ou sararemos a feridas que nos dividem e nos tornaram mais egoístas e menos humanos, ou deixaremos que a infecção que nos entrou nas veias há quatro anos se alastre pelo nosso corpo colectivo. Prefiro a primeira solução.