5.ª feira Santa: a celebração da Última Ceia

“Quando chegou a hora, pôs-se à mesa e os Apóstolos com Ele”. Ricardo Casimiro

A mesa e a refeição são o lugar da comunhão, da intimidade. É à volta da mesa que todos nós crescemos, nos reconciliamos e nos olhamos, é à volta da mesa que preparamos eventos, que festejamos, que somos formados e educados. Aqui crescemos e é aqui que se fortalecem os laços de amizade.Para esta reflexão, pode ajudar-nos um pequeno exercício:

“Última ceia” (det.) | Plautilla Nelli

Quando foi a última vez que nos sentamos à mesa para desfrutar de uma refeição com a nossa família ou amigos próximos – não apenas para comer perto um do outro, mas para aproveitar a presença um do outro e crescer no amor um pelo outro?

Para a maior parte de nós, talvez isto não aconteça em uma refeição típica. Mas esse é o tipo de refeição que Deus quer compartilhar connosco. Este é o tipo de refeição que Ele preparou para nós e nos convidou a participar, através do Sacramento da Eucaristia.

Jesus, chegado o momento supremo da Sua Vida, escolheu precisamente a mesa como o lugar da intimidade e da partilha.

Muitos dos que seguiam Jesus consideraram difícil aquela doutrina acerca da Eucaristia. Mas, por mais estranho que tenha soado a ordem de comer a sua carne e beber o seu sangue, isso não aconteceu do nada.

A Eucaristia tem raízes profundas no Antigo Testamento. Refletir sobre a tipologia do Antigo Testamento e ver como prefigura a Nova Aliança, ajuda-nos a aprofundar a nossa compreensão do Dom de Jesus, do Seu Corpo e Sangue na última ceia.

No início da criação, a Sagrada Escritura revela-nos que a humanidade foi criada para uma comunhão íntima com Deus e destinada à vida eterna. Essa realidade é revelada no contexto de uma refeição. Se olharmos para o livro do Gênesis (Gn 2,9; 3,22), compreendemos o acesso de Adão e Eva ao fruto da Árvore da Vida que havia no centro do jardim do Éden e, como resultado da sua desobediência, são “expulsos” do jardim. Vendo-se privados do acesso à Árvore da Vida e da visita do próprio Deus e compreendendo, dessa forma, o seu pecado, Adão e Eva descobrem que perderam a comunhão com o seu Senhor e, consequentemente, a eternidade.

Em Génesis 14, 18-20 vemos como Melquisede-que, rei de Salém (mais tarde renomeado para Jerusalém) e o “sacerdote do Deus Altíssimo”, oferece um sacrifício de pão e vinho em agradecimento pela vitória de Abrão sobre os seus inimigos. Jesus, o “Rei dos reis” (Ap 19:16) e “grande sumo sacerdote” (Heb 4,14), em Jerusalém transforma pão e vinho no seu Corpo e Sangue e oferece-os como sacrifício perfeito ao Pai (Heb 10,1-18). Desta forma, ve-mos como, enquanto o sumo sacerdote Melqui-sedec é mencionado brevemente em alguns versículos do Gênesis (ver Gn 14), o autor da Carta aos Hebreus recorda-no-lo como aquele que preanuncia a oferta do pão e vinho de Cristo, que Ele transformará no seu Cor-po e Sangue – e ambas as ofertas serão feitas em ação de graças por um rei justo.

Ora, pela oferta da vida e pelo sacrifício perfeito de Jesus, a Cruz torna-se a Nova Árvore da Vida, pois renova a comunhão com Deus e a vida eterna.

Assim, chegado o momento supremo da Vida de Jesus, Ele escolheu precisamente a mesa como o lugar da intimidade e da partilha. Na celebração eucarística, Cristo ressuscitado atrai-nos a Si, assimila-nos a Si próprio. Antes de nós O assimilarmos a Ele, no pão e no vinho consagrados, é Ele que primeiro nos assimila e nos atrai a Si, nos assimila a Si. Torna-nos semelhantes a Ele e transforma-nos no seu Corpo, que é a Igreja.

Jesus foi até ao extremo do amor.

Não há maior prova de amor do que dar o seu corpo e sangue, não só como sacrifício, mas co-mo alimento. Ir à mesa do Senhor é onde encontramos a nossa própria identidade e o nosso ser de cristãos. O encontro com Jesus na Eucaristia deve despertar, em cada um de nós, uma grande capacidade de amar e de entregar a vida em favor dos outros. Porque a Eucaris-tia é a “escola” onde a-prendemos a amar segundo o coração de Cristo!

Por outro lado, a eucaristia não é um ritual liturgico. A eucaristia é onde recordamos a entrega de Cristo por nós, é um Sacramento que realiza aquilo que significa. “Sempre que no Altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual Cristo, nossa Páscoa, foi imolado, realiza-se, também, a obra da nossa salvação” (Lumem Gentium, 3).

Como vemos, é aqui que Jesus transborda de amor em gestos de ternura e se dá, Ele próprio, em alimento.

A Eucaristia é o gesto que melhor traduz o infinito amor de Deus, pela sua proximidade e intimidade.

Vemos, por isso, como é na mesa da comunhão que o próprio Jesus não só fica com eles aquela noite, mas fica dentro deles, transforma-os a partir de dentro, abre-lhes o coração ao amor e dissipa-lhes todos os medos e angústias, ao ponto de eles se tornarem como homens novos, como testemunhas do ressuscitado.

É este, portanto, o convite que Jesus também hoje dirige a todos nós: que nos aproximemos d’Ele porque chegou, também para nós, a hora de estar com Ele.