DE TRÁS-OS-MONTES PARA O MUNDO: A TRAJECTÓRIA DE VIDA (E CARREIRA) DE TONY GONÇALVES

• Por HENRIQUE MANO | Nova Iorque

Quando, em 1977, os Gonçalves trocaram a pequena localidade de Xertelo, Montalegre (distrito de Vila Real), pela emigração na América, Tony tinha 4 anos. “Fomos viver para Mount Vernon, no estado de Nova Iorque”, conta o emigrante transmontano, em entrevista exclusiva ao jornal LUSO-AMERICANO. “Como muitos, tivemos a sorte de nos integrarmos numa comunidade portuguesa com família à nossa espera”.

Tony Gonçalves faria o liceu numa escola católica em New Rochelle, nos arredores de Nova Iorque, enquanto que, em casa, o quotidiano era “150% português. Falávamos português, frequentávamos o clube. Fui educado nos Estados Unidos como se estivesse em Portugal”.

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | Tony Gonçalves, o produtor-executivo do Tribeca Festival Lisboa, fotografado em Manhattan pelo jornal LUSO-AMERICANO

Aquele menino que deixara Montalegre para trás, iria, décadas depois, chegar ao topo do universo corporativo norte-americano e tornar-se no produtor-executivo do Tribeca Festival Lisboa, uma marca de luxo cultural nova-iorquina associada a nomes de peso como Robert DeNiro.

“Pensar que, aos 12 anos, o meu primeiro emprego foi entregar o jornal ‘The Standard Star’, de Westchester, e depois, acabei a gerir milhares de milhões de dólares na Warner Media…”, diz, com ironia e a serenidade que o caracteriza, Tony Gonçalves.

Ao entrar para a faculdade, na Iona College de New Rochelle, era contabilidade que pensava seguir. Acabou por fazer gestão de empresas e marketing. Com um misto de espírito empresarial e criativo, no 12.º ano criou um negócio de eventos e animação  musical com um amigo – a “S&T Entertainment”. O trabalho não o assustava… “Os meus pais sacrificaram-se tanto por nós, deixaram tudo o que conheciam e amavam para vir para cá e nos proporcionar uma oportunidade de uma vida melhor”, sublinha.

Tony Gonçalves apresenta o primeiro podcast em inglês do jornal “Expresso”

A caminhada até ao topo fez-se através de sacrifícios e resiliência; após a universidade, vendeu sistemas integrados de audiovisuais porta-a-porta, entrou para a Sharp Electronics, passou pela Samsung e, em 2018, assumiu o seu primeiro cargo como CEO, “onde tive de transformar um portfólio de negócios deficitário num que gerasse lucros”. E que acabou por se tornar parte da Warner Media, “uma das muitas fusões corporativas que liderei”, detalha Gonçalves, referindo-se à resposta da Warner ao surgimento da Netflix. Mais tarde, liderou o lançamento da HBO Max, a plataforma de streaming da Warner.

Em 2018, enquanto CEO da Otter Media, acabaria por contribuir também para o nascimento da produtora da actriz Reese Witherspoon.

Mas nem tudo foram rosas… “Em plena pandemia, e como ‘Chief Revenue Officer’ da empresa, fui obrigado a despedir 500 pessoas”, lamenta. “Reduzimos a equipa, eu estava a gerir 20 mil milhões de dólares em receitas. Foi difícil…”.

Quando, em 2022, a AT&T resolve vender a Warner Media, Tony Gonçalves dá os primeiros passos de uma caminhada pelo deserto que o levaria… ao começo de tudo. À terra de origem.

Foto: JORNAL LUSO-AMERICANO | Tony Gonçalves nasceu em Trás-os-Montes e, nos Estados Unidos, chegou ao topo do universo corporativo

“Uns anos antes, de férias em Portugal, a minha mulher (que nasceu cá filha de emigrantes transmontanos), perguntou-me se me imaginava um dia a viver em Portugal”, rebusca na memória. “Aquilo fez despontar em mim um sentimento adormecido de portugalidade que nunca mais me largou”.

Quando, já fora da Warner, em 2022, vai a Portugal, acaba por conhecer Francisco Pedro Balsemão, o poderoso CEO do Grupo Impresa, que lhe estende um convite para fazer assessoria, “tentar identificar áreas de crescimento e expansão no sector de media”.

Descobre assim um novo “propósito” para aquela fase da sua vida. Dois anos depois, fruto das suas ligações ao mundo nova-iorquino, surgia o Tribeca Festival Lisboa, de que é produtor-executivo, e cuja 2.ª edição anual acontece de 29 a 31 de Outubro. Dia 5 de Junho, a sua programação é apresentada em Manhattan num evento para convidados.

“O objectivo é colocar o talento criativo que temos em Portugal num palco internacional e global e não propriamente levar uma marca americana a Lisboa”, ressalva Tony Gonçalves. “E, quando, no ano passado, vi o Ricardo Araújo Pereira, o Dino D’Santiago e a Whoopi Goldberg no mesmo palco, pensei: ‘Missão Cumprida’”.

Foto: CORTESIA TONY GONCALVES | Com a mulher e os filhos, já cá nascidos

O gestor, que nasceu há 52 anos no dia 25 de Abril, está habituado às “revoluções” da vida e encara-as com a coragem de quem tem sangue de emigrante nas guelras. “Sempre me assumi português e emigrante, mesmo quando o conceito não estava na moda”, afirma. “Sinto-me mais em casa quando aterro em Portugal do que quando aterro nos EUA. E, na realidade sou muito mais americano do que sou português”.

Para além de ter comprado a casa onde praticamente nasceu, na Serra do Gerês, Tony e a mulher adquiriram ainda um imóvel em Braga que estão a recuperar ao sabor do tempo.

Da sua parceria com a Imprensa, brotou ainda outro fruto: o podcast “The Heart and Hustle of Portugal”, o primeiro com conteúdo em inglês no jornal “Expresso”. “Fizemos 5 episódios para experiência e já estamos a trabalhar na terceira temporada”, festeja, garantindo ter sido o sexto podcast mais ouvido em Portugal em Janeiro de 2025, “apenas um mês após o seu lançamento”.

O projecto é patrocinado pela Arrow Global, um fundo liderado por outro luso-descendente, John Calvão.

Pai de dois filhos, Olivia e Anthony (“que se sentem portugueses até à raiz”), Tony Gonçalves ainda se debate com a questão existencial que se coloca a grande parte dos emigrantes: somos de cá ou somos de lá? Mas tem a certeza de que “saí de Portugal sem Portugal nunca ter saído de mim”.