Jornalista luso-descendente que expôs abuso por padres nos EUA antecipa outros escândalos

Em entrevista à Lusa, o jornalista cujo trabalho de investigação no jornal The Boston Globe inspirou o filme vencedor do Óscar “O Caso Spot-light”, acredita que a igreja continua a ser uma instituição “resistente a mudanças”.

Rezendes, premiado pela investigação de abusos sexuais na Igreja Católica, “não está surpreendido” com os mais de 400 testemunhos validados pela Comissão Independente em Portu-gal e acredita que mais escândalos surgirão ao redor do mundo.

Após mais de 20 anos a investigar o encobrimento de abuso sexual infantil na Igreja Católica, Rezendes disse à Lusa que acredita “que o escândalo de abuso do clero irromperá, mais cedo ou mais tarde, onde quer que a Igreja Católica tenha uma presença consistente”.

“Não tenho acompanhado muito de perto a história da Comissão Independente em Portu-gal, mas estou ciente das suas conclusões e não estou surpreendido”, dis-se Rezendes, neto de portugueses oriundos dos Açores, que evitou comentar sobre a possibilidade de eventuais condenações, uma vez que não analisou “o papel do sistema criminal” no caso português.

A Comissão Indepen-dente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Cató-lica Portuguesa revelou a 11 de Outubro que já recebeu 424 denúncias.

Contudo, na ocasião, a Comissão assumiu que a maior parte dos crimes reportados já prescreveu, havendo 17 casos enviados para o Ministério Público.

As denúncias de abusos sexuais de menores pela Igreja Católica tornaram-se mais frequentes no final do século XX e início do século XXI, mas a maioria foi encoberta e raramente desencadeou ações judiciais com consequências para os abusadores.

As queixas sobre tais casos foram recebidas pela hierarquia da Igreja Católica quase sempre com ceticismo e desvalorização dos testemunhos.

Em alguns países, bispos e cardeais a quem foram comunicados casos  argumentaram que, não sendo o abuso sexual de menores um crime público, não eram obrigados a denunciá-los às autoridades civis, pelo que acabavam por ser, em vez disso, ignorados pelas autoridades canónicas.

Rezendes e a sua equipa revelaram um enorme escândalo de pedofilia dentro da igreja católica e décadas de encobrimento aos mais altos níveis nos Estados Unidos.

Depois do primeiro artigo publicado pelo The Boston Globe, em 06 de Janeiro de 2002, que levou à resignação do cardeal de Boston, Bernard Shaw, o jornalista e os colegas assinaram mais de 600 artigos e denunciaram quase 250 clérigos.

Questionado sobre o impacto que todas estas descobertas e denúncias terão para a igreja, o jornalista avalia que “ainda é muito cedo para se sa-ber”.

“Nos Estados Unidos, a igreja pagou milhares de milhões de dólares em compensação aos sobreviventes de abuso sexual do clero. Mas continua a ser uma instituição muito rica e, em vários aspectos, resistente a mudanças”, sublinhou.

Sobre a sua experiência pessoal no campo da investigação, Michael Rezendes, que ganhou o prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003 pelo trabalho de investigação no The Boston Globe, indicou que o seu interesse sobre este tema surgiu muito antes do caso Spotlight.

“Não consigo lembrar-me com precisão, mas o meu interesse começou muito antes de publicarmos a nossa primeira história, em 06 de Janeiro de 2002. Por pelo menos uma década antes disso, os escândalos de abuso do clero eram notícias de primeira página em várias partes dos EUA, como  em Lousisiana, Massa-chusetts e Texas. 

Além disso, o escândalo já tinha rebentado na Irlanda, na época um dos países mais católicos da Europa”, relembrou.