Os gémeos que escolheram servir o público: um é “state trooper”, outro segue a vocação de padre

BRIAN E DAVID SANTOS NASCERAM EM KEARNY, NEW JERSEY

A história de vida dos Santos é idêntica do nascimento à entrada para a universidade. Nasceram no Clara Maass Hospital, em Belleville, New Jersey, a 10 de Janeiro de 1983, filhos de Maria e Aurélio Santos, emigrantes de Peniche. No município de Kearny, cresceram e fizeram a escola secundária. “Por influência de alguns familiares, já no liceu comecei a interessar-me pela carreira policial”, conta Brian Santos. Os gémeos acabam por matricular-se ambos na Rutgers University, a seguir Criminologia e Sociologia.

Estavam no 1.º semestre da universidade, quando os atentados terroristas do 11 de Setembro acontecem. “Eu estava em casa a preparar-me para ir para a universidade e ainda vi o segundo avião embater na torre”, lembra Brian Santos.

O sentido de serviço à pátria falou mais alto e levou-os a interromper a formação académica. A- listam-se na Guarda Nacional de Rhode Island e, de Janeiro a Novembro de 2005, enquadrados num batalhão de infantaria e vigilância, cumprem a sua missão militar. Os gémeos ofereceram-se para estar na mesma unidade, “e, o que sucedeu, por respeito à nossa mãe, foi que o nosso comando nunca nos pôs aos dois nas mesmas missões.”

Para o gémeo Brian, “foi uma grande honra mesmo poder servir o meu país. O nosso pai também esteve na guerra do Ultramar, na Guiné-Bissau, e nós crescemos a ouvir histórias de guerra.”

No regresso aos EUA, Santos retorna à Rutgers e forma-se em Criminologia. Começa carreira no Hudson County Sheriff’s Department mas, em 2009, realiza o seu sonho profissional: juntar- se à New Jersey State Police – depois de ter feito o curso de formação na academia, com a 150.ª turma, onde foi, aliás, o melhor cadete.

Após algum tempo como “trooper” pelas auto-estradas de New Jersey, chega à unidade SWAT de elite da Polícia Estadual, onde permaneceu até Junho deste ano. Com a mulher grávida do 4.º filho (o rebento chega este mês!), pede a transferência para uma unidade menos exigente a nível de tempo.

“Não pensamos nos riscos da profissão quando fazemos aquilo de que se gosta”, afirma Brian Santos, “e aceitamos os desafios que nos são impostos. Nada do que é gratificante se obtém com facilidade.”

O “state trooper” diz que, ter crescido com um irmão gémeo a seu lado, “foi uma bênção. Vivenciamos quase tudo juntos, desde o útero da nossa mãe até às diferentes fases da nossa existência. Quando éramos pequenos, não tínhamos noção disso, mas agora temos”, adianta, reconhecendo ainda terem “personalidades semelhantes, com algumas diferenças, mas, no geral, até nisso somos parecidos.”
O gémeo David Santos, hoje pároco da Igreja de São Tiago o Apóstolo, em Springfield, NJ, diz ter crescido “numa família tipicamente portuguesa, onde o catolicismo foi sempre uma presença notável nas nossas vidas – íamos a procissões, à igreja, por aí, mas não cresci a pensar tornar-me padre.”

Mas tudo se conjugava para que depressa descobrisse a sua verdadeira vocação. No liceu, por insistência de uma namorada, participou num retiro onde conhece o falecido Pe. Tony Bico, de quem se tornaria amigo “e que teria uma influência muito grande na minha vida. Ainda hoje, é uma espécie de ‘rock star’ na comunidade católica portuguesa, apesar de já não estar entre nós. Foi ele que plantou em mim a semente que fez crescer esta vocação, com base na forma como ele vivia a sua vida. Fiquei tão impressionado com a forma generosa como ele convivia com as pessoas e servia a sua igreja, à altura a Nossa Senhora de Fátima em Newark.”

A vida de David Santos nunca mais seria a mesma após aquele retiro. “Tive uma experiência muito profunda, que me aproximou da minha fé”, diz. “Comecei a ajudar em missas, juntei-me a grupos de jovens católicos na igreja. Na Rutgers, pensava seguir a mesma carreira do meu irmão, mas, no regresso do Iraque, comecei e pensar seriamente na vocação de padre.”

Lembra-se do dia em que se abriu com o Pe. Bico e lhe confessou que, à sua semelhança, pensava ser padre. “Fomos a um Dunkin’ Donuts em Union e falámos no assunto. No dia seguinte, fui a um gabinete de vocação e pedi para entrar no seminário. Depois disso, senti uma profunda paz interior, apesar de ter acabado de tomar uma decisão que iria mudar a minha vida para sempre. Mas sabia que estava na direcção certa.”

Torna-se seminarista, entra para a Seton Hall University (“cada vez mais convencido da sua vocação”) e acaba seleccionado para ir para Roma fazer formação superior teológica naquela que é a “Harvard” do Vaticano, onde está 5 anos e chega a diácono. A ordenação a padre, contudo, seria em Maio de 2012, na Basílica de Newark.

Passa por algumas paróquias até em 2021 lhe ser entregue a admi- nistração da São Tiago o Apóstolo, em Springfield, onde permanece.

David recorda com ternura o dia em que comunicou ao irmão Brian a decisão de ser padre. “Não foi sequer necessário pronunciar as palavras, ele disse-me de imediato que já sabia o que eu queria ser e pediu apenas que tivesse a certeza de que era realmente essa a minha vocação. Foi um momento muito especial entre irmãos gémeos.”
No início, a reacção da restante família não foi fácil. “Como nunca tinha falado nisso, sobretudo para o meu pai foi difícil a aceitação. Hoje, a fé é parte muito integrante das nossas vidas e acho que é assim que Deus opera.”

A entrega à religião despertou nele sentimentos que desconhecia. “Descobri, por exemplo, que sou tímido, apesar de ter sido muito reguila na adolescência. Compreendo, hoje, que aquilo que às vezes julgamos serem as nossas fraquezas, na verdade é a forma que Deus encontra para nos aproximar dele e exercer um impacto positivo sobre nós.”

A família no casamento de Brian, à esq.: David, Carminda (a irmã já falecida), Maria (a mãe), Aurélio (o pai) e o irmão Aurélio

O luso-americano reconhece que “ser padre foi a coisa mais difícil que fiz na vida, e devo dizer que já fiz muita coisa, incluindo ir para a guerra. Mas tenho uma alegria interior enorme e adoro ser padre porque isto foi o que Deus quis para mim.”

A proximidade da cultura portuguesa também fez e faz parte da vida dos gémeos Santos. Por volta dos 12 anos, já dançavam no Rancho Folclórico “Os Sonhos Continuam”, de Kearny, transitando depois para a sua ala adulta, o “Sonhos de Portugal” – onde se mantiveram até à ida para o Iraque. “Gostámos imen- so de fazer parte do rancho, foi uma faceta da nossa vida que nos aproximou do sentir português”, diz David Santos.

O padre volta à religião para citar o papa Francisco, “que reconhece na igreja um hospital de campanha para pecadores, porque todos nós somos pecadores. Um padre é um pastor, nós somos construtores de pontes entre a vida e a realidade de Deus.”
O irmão “state trooper”, Brian Santos, também diz de sua justiça: “As pessoas, por vezes, afastam-se da igreja por pensarem que não vão ser aceites no seu seio, mas na verdade é o contrário. A questão é: queres ser aceite pela igreja?”, acrescenta. “E há que reflectir nisso e saber que existem responsabilidades individuais a cumprir por nossa parte.”