PORTUGUÊS RELEMBRA EXPERIÊNCIA COMO MÉDICO VOLUNTÁRIO NO ‘GROUND ZERO’. “SÓ QUIS AJUDAR, ERA O MEU INSTINTO DE MÉDICO”

Por HENRIQUE MANO | Jornal LUSO-AMERICANO

Quando o primeiro avião se despenhou contra as Torres Gémeas, na fatídica manhã de 11 de Setembro de 2001, o português Paulo Alexandre Pacheco, 34 à altura, já estava no Weill Cornell Medical Center de Manhattan – onde, para além de leccionar, trabalhava como gastroenterologista. “Tinha um paciente comigo quando toca o telefone. Era a minha irmã, que vive em Rhode Island, a querer saber se estava bem”, conta o médico, duas décadas depois, em entrevista ao jornal LUSO-AMERICANO.

De imediato, “o nosso hospital canalizou todos os recursos para as urgências, pensando-se que iríamos receber milhares de feridos com queimaduras graves, uma vez que, à altura, tínhamos a única unidade de queimados em Manhattan”, recorda.

As horas foram passando e os feridos das Torres Gémeas nunca chegaram ao Weill Cornell nem a nenhum outro hospital. “Esperámos incessantemente e só meia dúzia de pessoas entraram nas urgências”, diz Paulo Pacheco. “Foi um dia trágico.”

1f310.pngINSTINTO DE MÉDICO

Na manhã seguinte, o profissional de saúde acorda no seu apartamento em Chelsea, de onde podia vislumbrar as Torres Gémeas, olha para a janela e vê no horizonte o fumo que ainda emergia dos escombros do ponto zero. “Eram 6 horas e decidi que não iria fazer nada no hospital”, afirma. “Liguei a informar que iria antes para o ground zero ver se precisavam da minha ajuda. Queria apenas ajudar, ser útil, era o meu instinto de médico naquilo que tenho de mais profundo.”

Meteu a roupa de trabalho e, de estetoscópio ao pescoço, desceu a cidade até à Canal Street, onde os acessos à baixa estavam interrompidos. Ao ver passar um veículo de bombeiros em direcção às torres, identifica-se como médico voluntário e é assim que chega ao local.

Era 12 de Setembro, o dia a seguir à tragédia que iria mudar o mundo. Pacheco pediu que o deixassem “no centro de comando”, e acaba na Church Street, “ainda me lembro, em frente à loja da Brooks Brothers. As ruas estavam cobertas com toneladas de papéis e documentos, vigas de ferro, pedaços de cimento, tudo o que se possa imaginar. Ainda se viam pequenos incêndios brotar da montanha de escombros e o cheiro era agonizante. Parecia o cenário do fim do mundo.”

1f310.png “ESTOU AQUI PARA AJUDAR”

Acaba por descobrir uma espécie de unidade médica ambulante, com os meios de primeira necessidade, onde só estava uma médica especializada em urgências. “Nessa altura éramos apenas os dois. Virei-me para ela e disse: estou aqui para ajudar”, relembra Paulo Pacheco. Horas depois, “devíamos ser uns 300 e já tínhamos uma operação bem montada; fomos dando assistência aos bombeiros, polícia e outros socorristas, fazendo um curativo aqui e ali. Infelizmente, nada de sobreviventes. Ninguém com vida era retirado dos escombros. Foi super-triste.”

Cerca de dez horas depois, “completamente desgastado, física e psicologicamente”, regressa a casa. Também a pé. “Andei cerca de duas milhas, ainda levava um capacete que entretanto me tinham lá dado; estava coberto de pó e cinzas, à volta do ground zero chegava-se a andar com escombros até aos joelhos. Foi uma sensação surrealista, tentava digerir tudo o que tinha vivido ali mas, acima de tudo, senti ter cumprido o meu papel de médico e ser humano, a ajudar o próximo em conjunto com colegas que até ali nunca tinha conhecido.”

Em retrospectiva, “foi mesmo o pior dia da minha vida, saber que ainda estavam li tantas pessoas que perderam a vida e outra possivelmente à espera de serem salvas.”

1f310.pngDOS AÇORES PARA O MUNDO

O médico, que nasceu em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, Açores, e veio com apenas 8 meses para os EUA e cresceu em Rhode Island, doutorando-se pela prestigiada Brown University, no dia seguinte surgia na primeira página do ‘New York Times’, a trabalhar como voluntário no ground zero. “Nem reparei sequer que estava a ser fotografado”, nota.

Paulo Pacheco revela só ter conseguido voltar ao local anos depois, convidado a uma cerimónia solene com o então presidente Aníbal Cavaco Silva. “Na altura não me apercebi de quão traumática tinha sido aquela experiência.”

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *