❝LEMBREM-SE DO MEU IRMÃO COMO O HERÓI QUE FOI NO DIA EM QUE MORREU❞

Por HENRIQUE MANO | Jornal LUSO-AMERICANO

Quando o Boeing 767 da American Airlines perfurou violentamente a Torre Norte do World Trade Center, na baixa de Manhattan, João Alberto da Fonseca Aguiar Jr. já estava na sua secretária de trabalho na sede da firma de investimentos e corretagem Keefe, Bruyette & Woods, no 88.º andar da Torre Sul, a cujo quadro de pessoal pertencia desde 1999. A aeronave, Flight 11, levantara voo do Aeroporto Internacional de Logan, em Boston, com 92 passageiros a bordo. Destino: Los Angeles.

Poucos minutos depois da decolagem, 5 membros do grupo extremista alQaeda, comandados por Mohamed Atta, tomaram o controlo do cockpit, desviando o avião do seu percurso inicial e esmagando-o contra a Torre Sul. Era o início da operação terrorista de 11 de Setembro, que provocou cerca de três mil mortes.

João Aguiar Jr. na sua secretária de trabalho na empresa Keefe, Bruyette & Woods, no 88.º andar da Torre Sul, a cujo quadro de pessoal pertencia desde 1999

🌐A ACÇÃO HERÓICA DE ‘J.J.’

No 88.º andar da Torre Sul, enquanto a norte ardia em chamas, João Aguiar Jr. (ou ‘J.J.’, como também era conhecido), ao invés de planear a sua própria evacuação do arranha-céus, entregou-se à tarefa espontânea de coordenar a saída dos colegas, passando pelos corredores da empresa implorando aos funcionários que abandonassem o edifício.

“O ‘J.J.’ ligou à namorada, com quem iria passar a viver na semana seguinte, a dizer-lhe que tinha de sair do prédio, que a outra torre tinha sido atingida e que algo de grave se estava a passar”, conta a irmã mais velha, Taciana Aguiar, em entrevista ao jornal LUSO-AMERICANO. “Só que primeiro ajudou toda a gente a evacuar, secretárias e outros funcionários. No funeral, os colegas disseram-me que a sua prontidão e acção rápida lhes terá salvo a vida… Quando finalmente chegaram ao rés-do-chão, ouviram um grande estrondo e um abanão violento – era o avião a atingir a torre. O meu irmão ficou à espera que o próximo elevador chegasse…”.

O gesto heróico de João Aguiar Jr. é narrado no livro ‘The Hidden Brain’, de Shankar Vedantam, como exemplo do “autêntico espírito de liderança” baseado numa profunda intuição que motiva os outros a reagirem num caso de emergência.

À altura da tragédia, Taciana vivia na Califórnia, com três horas de diferença horária de Nova Iorque. Na madrugada de 11 de Setembro, acordou em sobressalto com o telefonema de um primo a contar-lhe que um avião tinha embatido no World Trade Center. “É claro que pensei tratar-se de um idiota num pequeno Cessna que, por engano, tinha tido um acidente, ou coisa assim”, diz. “Mas depois liguei a televisão e apercebi-me da gravidade do que estava a acontecer.”

🌐CORPO DE JOÃO AGUIAR NUNCA FOI IDENTIFICADO

Dos 172 funcionários que a Keefe, Bruyette & Woods mantinha no WTC, 67 perderam a vida – incluindo o CEO e o CFO [ver aqui um vídeo da firma em homenagem às vítimas: https://www.youtube.com/watch?v=aF1QbvCRRxk ]. O corpo de João Aguiar Jr. nunca foi encontrado, tal como nenhum dos seus haveres – revela a irmã. “No final de Setembro de 2001 fizemos uma celebração em sua honra numa praia em New Jersey, na casa de um familiar”, afirma Taciana Aguiar. “Até amigos e ex-colegas da St. Julian’s School, em Portugal, onde ele estudou, vieram.”

O destino de Aguiar parecia mesmo ser o World Trade Center. Na sua relativamente curta carreira (morreu aos 30), “grande parte dos empregos levaram-no a uma das torres”, nota a irmã. Antes da Keefe, Bruyette and Woods, estivera no Fuji Bank, Ltd. e no Iyo Bank, Ltd., como analista de mercados. “Lembro-me de uma vez ter ido de visita a Nova Iorque e de ele me ter convidado a conhecer o seu escritório”, recorda Taciana. “Estávamos lá em cima e senti a torre tremer ao de leve… foi um sensação horripilante e pedi logo para sairmos de lá. Não sei se teria sido uma espécie de premonição…”.

🌐COM ORIGENS NA GUARDA

‘J.J.’ nasceu em Red Bank, NJ. Antes de ter vivido em Cascais, a frequentar a St. Julian’s School de Carcavelos dos 12 aos 17 anos, andou na Holy Cross School, em Rumson, e mais tarde terminou o liceu na Rumson-Fair Haven High School. Após dois anos na Adelphi University, em Long Island, acabaria por formar-se pela George Washington University, em Washington, DC, na área financeira.

O pai, João Aguiar, nasceu na Guarda e está radicado agora em Cascais; a mãe, Diane, vive na Flórida e o malogrado ‘J.J.’ tinha ainda outra irmã, Monique Bird, para além do sobrinho Sebastian Brunemeier, filho de Taciana. “Os meus pais conheceram-se numa praia do Estoril, onde a minha mãe estava de férias com uma amiga”, conta Taciana. “Estudava espanhol numa universidade em Madrid.”

Casam-se em Portugal, onde nasce Taciana, a mais velha dos três filhos, e mais tarde fixam-se em New Jersey, onde João Aguiar-pai faz carreira na banca. “Vínhamos todos os anos de férias a Portugal para ver a família”, diz Taciana, agora radicada em Portugal.

A tragédia deixou a família “completamente de rastos”, reconhece. “O meu irmão era o mais novo e o único rapaz, o predilecto dos meus pais. Nunca mais fomos os mesmos. O meu pai ficou devastado com a perda, era o filho varão que daria continuidade ao nome de família. A minha mãe ficou muito afectada e tem um quarto na casa de Sintra com as paredes todas cobertas com fotos do filho.”

Em frente à Casa Branca em Washington, DC depois de se ter formado na área financeira pela George Washington University

🌐A ÚLTIMA CONVERSA

Serve de consolo a Taciana ter falado com ‘J.J.’ ao telefone, no domingo imediatamente anterior ao 11 de Setembro (que aconteceu a uma terça-feira) “durante uma hora e meia. Falámos da família, da futura vida de casado que lhe esperava e que tudo isso seria óptimo para o meu filho, que ficou órfão muito cedo e que tinha nele uma figura paternal.”

Nenhum dos Aguiar deverá estar na cerimónia solene do 11 de Setembro em Nova Iorque. A COVID também não ajuda, sublinha Taciana. “Geralmente nesse dia vou para junto da natureza, deposito uma flor em sua memória. Preciso de paz e introspecção; procuro não glorificar o acontecimento nem segui-lo na TV. Lembro-me dele em privado e faço uma publicação no Facebook. Nem acredito que tenham passado 20 anos! O ‘J.J.’ teria agora 50. Por vezes penso: como seria agora? O que estaria a fazer? Como seriam os filhos que poderia ter tido? A sua morte decimou a nossa familia.”

Taciana pede que se lembrem do irmão “como o verdadeiro herói que foi no ultimo dia de vida, ajudando a evacuar os colegas, ficando ele para trás. Lembro-me também do rapazinho espevitado que foi, de acção e pensamento rápidos. Era o nosso ‘John Kennedy Jr.’, a percorrer Manhattan.”

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *